Os patamares da consciência
O proto-eu é uma colecção de imagens (de padrões de activação neural) que mapeiam os estados físicos e fi siológicos do corpo a cada instante, dando origem àquilo que Damásio chama “sentimentos primordiais”, indispensáveis à regulação e à manutenção da vida.
O proto-eu surge no tronco cerebral, a parte mais “arcaica” do cérebro em termos evolutivos — e não é ainda consciente. Os peixes, até os insectos, possuem provavelmente um “proto-eu”.
O nível de eu seguinte, o eu nuclear, surge de cada vez que um objecto no mundo exterior interage com o protoeu. Gera-se assim uma sequência de imagens que podem ser visuais, auditivas, sentimentos primordiais, etc., e que descrevem a relação do organismo com esse objecto.
O eu nuclear dá origem à consciência nuclear, um estado de consciência de base que é a cada instante renovado pelas alterações que se verificam no proto-eu. A consciência nuclear é assim um fluxo ininterrupto de imagens de todo o tipo, vindas do interior e do exterior do corpo. É uma consciência apenas do “aqui e agora”, quase sem memória do passado e sem qualquer antecipação do futuro.
Os mamíferos (sem dúvida), os répteis e as aves (talvez), diz António Damásio, possuem apenas este nível de consciência nuclear. O mesmo acontece com certos doentes neurológicos. O último patamar da consciência — o estado de consciência plena, tal como os seres humanos normalmente a conhecemos e a sentimos quando estamos acordados, corresponde ao eu autobiográfico. Surge quando objectos da nossa biografia geram impulsos de eu nuclear, criando um autêntico filme da nossa vida.
É essa consciência autobiográfica que nos confere a nossa identidade, que faz com que saibamos que somos nós os donos do nosso organismo. Obviamente, requer o acesso à nossa memória, não apenas para sabermos quem somos mas também para nos projectarmos no futuro.