Psicólogos e psiquiatras atentos a “uma experiência que nunca foi vivida por ninguém”
Nunca ninguém esteve numa situação destas durante tanto tempo. Por isso os modelos psicológicos que medem a reacção humana a stress pós-traumático farão hoje escola, adianta Américo Baptista, psicólogo e investigador na área da ansiedade, professor da Universidade Lusófona: “Esta é uma experiência que nunca foi vivida por ninguém. Só conseguimos fazer predições depois de estudar as situações. Não se sabe como estão. Parece que estão bem mas numa situação de alarme há tanto tempo é previsível que não estejam bem do ponto de vista psicológico. Há muito desespero e tristeza. O que podemos fazer é basear-nos noutros acontecimentos já estudados para aproximando-nos um pouco do que ali se está a passar”.
O que a psicologia sabe neste campo aprendeu com acontecimentos já distantes na história, como a II Guerra Mundial, que, segundo Américo Baptista é um evento que está bem estudado. Mas também com acontecimentos recentes como os atentados do 11 de Setembro ou o 11 de Março, de Madrid.
“Recorremos muito em psicologia ao exemplo do artilheiro e do aviador. O artilheiro sofre mais ansiedade perante o ataque aéreo porque não tem sensação nenhuma de poder controlar o seu destino. O aviador sim, tem a sensação de poder escapar, sabe que se pode desviar. Estes mineiros são artilheiros. O controlo da situação escapa-lhes, estão não com as mãos mas com o corpo todo atado”.
Uma questão neurológicaO especialista fala que a ansiedade vivida é uma questão, para além de psicológica, uma questão neurológica. “Esta é mesmo uma questão neurológica. O stress a que estão sujeitos aumenta a produção de cortisol, uma hormona que destrói neurónios. É uma situação terrível em termos de saúde que pode originar experiências muito intensas a nível hormonal e cardiorespiratório”.
Se as coisas hoje correrem mal será desastroso. Nisso concordam Américo Baptista e o psiquiatra Afonso Albuquerque, especialista em stress pós-traumático com larga experiência no acompanhamento de ex-combatentes da guerra colonial portuguesa.
A capacidade de resistência humana é difícil de estimar. Mas a desmoralização seria profunda. Acredito que é a ideia de hoje saírem dali que os move a entrar naquela cápsula”, diz Américo Baptista sobre o elevador de apenas 57 centímetros de diâmetro que trará os mineiros para a superfície, a uma distância de 700 metros. “Se correr mal é péssimo para todos, até para nós que observamos. É o desabar do mundo, a destruição completa da esperança.”
E Afonso de Albuquerque frisa a importância do sucesso para a moralização das famílias: “Seria pior para as famílias”, arrisca dizer. “Houve um aumento grande de expectativas que, se não se cumprirem será desastroso”.
Poderão estes 33 homens voltar a uma mina? Américo Baptista não acredita mas Afonso de Albuquerque não partilha essa opinião.
“São todos profissionais que passam grande parte da vida numa mina. Não são como qualquer um de nós. E já terão passado por experiências. Isso é muito importante na avaliação dos casos, que começará assim que saírem da mina.” Mas talvez iniciem uma nova vida fruto da exposição mediática a que vão ser expostos: “Já não são simples mineiros. São heróis nacionais e mundiais. Será interessante ver o que vai acontecer a cada um deles.”