O arquitecto que foi cineasta em apenas um filme
José Augusto Cottinelli Telmo era um homem de múltiplos talentos e interesses, em que o cinema ocupava um lugar de particular importância. Começou por ser colaborador de Leitão de Barros (também ele arquitecto), como cenografista e figurante em alguns filmes, para além de escrever em algumas revistas de cinema, e seria dele o projecto para o que viriam a ser os Estúdios da Tóbis no Lumiar, em Lisboa. Ainda com a construção dos estúdios por completar - , o arquitecto foi o escolhido para realizar A Canção de Lisboa (1933), que seria o primeiro filme sonoro totalmente produzido em Portugal.
"Um homem de multímoda acção, que ousava abalançar-se de um momento para o outro, audaciosa mas conscientemente, a ocupar um lugar sempre de tão grandes responsabilidades, e de não menores incertezas, como o de realizador cinematográfico", escreve Manuel Félix Ribeiro, o primeiro director da Cinemateca, no seu livro Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português. Sem qualquer experiência como realizador - A Canção de Lisboa foi o seu primeiro e único filme -, Cottinelli Telmo, que também colaborou na escrita do argumento, fez uso da sua formação em arquitectura no aspecto visual do filme, como demonstra a utilização abundante de exteriores e o cuidado na recriação de ambientes em estúdio. O filme juntou alguns dos talentos da cultura portuguesa da época, como Almada Negreiros, que desenhou o genérico inicial e os cartazes do filme, e muitos dos maiores nomes do teatro da altura, como Vasco Santana, Beatriz Costa e António Silva. Por ser o primeiro filme sonoro produzido na íntegra, A Canção de Lisboa foi um enorme desafio técnico para uma indústria ainda a dar os primeiros passos e o próprio Telmo, numa entrevista ao Diário de Notícias, na véspera da estreia, reconhecia as dificuldades: "O que fizemos anda perto do milagre."
Ainda hoje, A Canção de Lisboa é considerada a matriz da comédia portuguesa no cinema e dela derivaram muitos outros filmes com impacto popular, como O Pátio das Cantigas, O Costa do Castelo ou O Leão da Estrela. Foi um produto da sua época, um objecto de construção simples e de canções que ficam no ouvido. Dele, disse o realizador António Pedro Vasconcelos que é um dos poucos que seriam justos candidatos aos Óscares de Hollywood.