Reabilitação urbana decide futuro do sector da construção
São os responsáveis das associações do sector quem o tem dito, desfiando os números que ajudam a desenhar a dimensão das dificuldades e do buraco que tem vindo a ser cavado desde há oito anos.
Mas, numa altura em que a austeridade se anuncia para todos, a confederação do sector acaba de apresentar uma estratégia para a sua dinamização. Na Estratégia para a dinamização da construção e do imobiliário, a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) fala de incentivos fiscais, de apoios à internacionalização, de mais investimento público.
Só que as torneiras estão fechadas, e a construção e o imobiliário não são o único sector em crise. Talvez por isso, o presidente da confederação, Reis Campos, que escalpelizou ao PÚBLICO alguns dos pontos da estratégia que foi apresentada ao Presidente da República, aos partidos e ao Governo, também enuncia medidas de curto e médio prazo que poderão ajudar a alavancar aquele que é um dos mais importantes sectores da economia (representa 18 por cento da riqueza produzida no país) sem que se exijam grandes esforços ao Orçamento do Estado.
A salvação do sector está no arranque da reabilitação urbana - um tema que é consensual no espectro partidário, mas que tem esbarrado na desconfiança do mercado e, sobretudo, na falta de financiamento. Segundo o presidente da CPCI, os trabalhos na reabilitação urbana seriam capazes de permitir a recuperação quase de imediato de cerca de 110 mil postos de trabalho no sector, e a agilização de um mercado que está avaliado - só na componente de habitação - em 28 mil milhões de euros.
Um estudo da AECOPS - uma das associações que compõem a CPCI - elencou um mercado bem mais vasto do que este, chegando ao número de 200 mil milhões. Mas as contas da confederação estão agora centradas na componente da habitação e na recuperação dos edifícios dos centros históricos das principais cidades.
Plano de ataqueReis Campos acredita que o pontapé de saída poderia ser dado com cerca de três mil milhões de euros - a mesma verba que, todos os anos, está a ser aplicada no pagamento de subsídios de desemprego a trabalhadores oriundos do sector da construção civil. E que, só nos últimos dois anos, chegaram aos 131 mil.
"Essa verba nem precisava de estar disponibilizada no Orçamento do Estado. A única coisa que é preciso é dizer à banca para abrir linhas com garantia, nesses montantes, que permitissem financiar trabalhos de regeneração urbana", argumenta Reis Campos. A abertura de linhas de crédito, garantidas pelo Estado, poderá ser "uma maneira de desbloquear a falta de acesso ao crédito das empresas, que actualmente têm muita dificuldade em aprovar crédito", argumenta.
Segundo os últimos inquéritos mensais à actividade, os spreads actualmente praticados pelos bancos às empresas de construção chegam a superar os sete por cento.
Uma outra grande componente de financiamento poderá ser garantida pela "readequação das verbas do Quadro de Referência Estratégica Nacional", o QREN, que está, por esta altura, com uma taxa de execução de pouco mais de 15 por cento. "Ainda vamos a tempo de renegociar a alocação de algumas destas verbas. E já que estão tantos projectos a cair, parece-me que desperdiçar os 18 mil milhões de euros que estavam previsto no QREN para este sector seria um erro crasso", argumenta o presidente da Confederação.
Questionado pelo PÚBLICO se há empresas e mão-de-obra qualificada para trabalhar neste segmento, Reis Campos garantiu que sim, afirmando que o aspecto nuclear da reabilitação urbana se centra na habitação, o segmento em que trabalha 60 por cento da mão-de-obra do sector.
"Estamos a falar de 400 mil funcionários qualificados e estamos, sobretudo, a falar de um segmento onde há mercado, e há procura. Antes, poderia não haver gente a procurar casas nos centros históricos, nem a perspectivar a hipótese de arrendar. Acreditamos que o paradigma agora mudou, e que até haverá muitos aforradores privados a investir no segmento da reabilitação e no arrendamento", diz.
Mexer na lei das rendasCom promotores, mediadores imobiliários e construtores no seio da sua estrutura, a CPCI tem cada vez mais a certeza de que o segmento do arrendamento é um mercado que tem uma procura crescente. Há vontade de voltar aos centros das cidades e dificuldade em obter financiamentos para comprar casa, pelo que o arrendamento é a melhor opção. Só ainda não há, diz Reis Campos, é confiança no funcionamento deste mercado e, do ponto de vista dos proprietários, a Lei das Rendas não veio resolver os problemas que continuam a colocar Portugal como um dos países com menos contratos de arrendamento - só a Espanha nos ultrapassa.
Facilitar despejosDiz a nova estratégia da CPCI: "A Lei [das Rendas, revista] deverá respeitar a livre negociação, criar mecanismos expeditos para a resolução das situações de incumprimento contratual e o Estado deverá assumir a sua responsabilidade social de apoio às famílias."
O presidente da CPCI descodifica: "Os despejos têm de ser facilitados - quem não paga, tem de sair. E se não paga porque não tem meios para o fazer, não tem de ser o proprietário a assegurar a função social do Estado. Hoje em dia não faltam casas vazias onde se possam realojar as pessoas. Há muitas na periferia das grandes cidades, algumas novas e que já não vão ser vendidas. O Estado pode alugar ou comprar as casas que proliferam na periferia das grandes cidades para se tornarem habitação social."
Essas mesmas casas - que permanecem vazias - poderão servir, também, em alguns casos para instalar os arrendatários fora dos prédios que venham a ser recuperados.
A CPCI pede a criação de mecanismos legais que agilizem os processos de reabilitação, entre eles a flexibilização das soluções para expropriação que permitam, por um lado, reabilitar o mercado e, por outro, defender os direitos individuais dos cidadãos. E a instalação de arrendatários fora do prédio recuperado é uma delas.