Só tem um átomo de espessura, é quase transparente... é o grafeno e valeu um Nobel
Forma de carbono foi descoberta em 2004 e as suas características fizeram sonhar com novas aplicações, desde ecrãs de cristais líquidos a supermateriais. Para já, deu o Nobel da Física
Imaginemos o traço deixado por um lápis numa folha de papel. Se lhe passarmos a mão por cima, facilmente se esborrata. Acabámos de espalhar no papel várias camadas de grafite, a forma de carbono de que são feitos os vulgares bicos dos lápis. Mas se continuássemos a esborratar o traço a lápis, talvez acabássemos por ter uma única camada de átomos e, então, estaríamos na presença de uma nova forma de carbono - o grafeno.
Foi mais ou menos isto que fizeram dois cientistas, nascidos na Rússia mas a trabalhar no Reino Unido, na Universidade de Manchester, e que resultou na descoberta do grafeno. Até 2004, não passava de uma hipótese, com dé- cadas de especulação. Nesse ano, em Outubro, Andre Geim e Konstantin Novoselov publicaram na revista Science o artigo em que anunciaram a existência real do grafeno e lançaram o entusiasmo na comunidade científica mundial, devido a uma variedade de possíveis aplicações, desde a criação de novos materiais até ao fabrico de electrónica inovadora.
Só que, em vez de espalharem o traço a lápis, Geim e Novoselov utilizaram uma fita adesiva para retirar pequenos fragmentos de um grande pedaço de grafite. No início, os fragmentos retirados tinham muitas camadas de grafite, mas à medida que repetiam o processo, iam-se tornando cada vez mais fininhos. Era a altura de procurar esses fragmentos de grafeno entre as camadas de grafite extraídas.
Tiveram ainda de encontrar uma maneira para que o grafeno saísse do seu anonimato, camuflado entre a grafite, e se desse a ver no microscópio. E o que surgiu foi um material bidimensional (com comprimento e largura apenas, pelo que é plano), quase transparente e que existe à temperatura ambiente.
Esta forma plana de carbono, com a espessura de um único átomo, apresenta-se com o padrão básico do favo de mel, pelo que é ainda composta por seis átomos de carbono ligados entre si. E esses seis átomos ligam-se a outros e a outros, formando uma rede de milhões e milhões de átomos do material que é o grafeno.
Ontem, esta descoberta valeu a Geim, de 51 anos, naturalizado holand? s, e Novoselov, de apenas 36 e nacionalidade russa e britânica, o Nobel da Física, no valor de dez milhões de coroas suecas (um milhão de euros). No seu comunicado, a Real Academia das Ciências Sueca justifica a atribuição aos dois físicos "pelas experiências pioneiras sobre o material bidimensional grafeno".
Aprisionado dentro da grafite, o grafeno só estava à espera de ser libertado, sublinha a informação divulgada pela academia sueca. "Ninguém pensava que tal fosse realmente possível", lê-se. Muitos cientistas consideravam impossível isolar materiais tão finos, que ficariam instáveis, por exemplo enrolar-se-iam à temperatura ambiente ou desapareceriam.
O novo material libertado não é só o mais fino de todos, é também o melhor condutor de calor. E como condutor de electricidade é tão bom como o cobre: se for misturado com plástico, pode resistir mais ao calor e ser robusto do ponto de vista mecânico. Também é leve e elástico, podendo ser esticado até 20 por cento do seu tamanho original.
Por todas as suas características, pensa-se que pode vir a permitir o fabrico de novos transístores, mais rápidos do que os actuais de silício, que resultarão em computadores mais eficientes. Ou em novos supermateriais, que os futuros satélites, aviões ou carros incorporarão. Ou em novos ecrãs de cristais líquidos tácteis.
"Estou em estado de choque", reagiu Novoselov, após um silêncio. "É uma loucura." Também Geim foi apanhado de surpresa: respondia a e-mails e lia papeladas quando o telefone tocou. "Estou bem, dormi bem, não esperava o Nobel este ano", declarou depois. "Os meus planos para hoje? Voltar ao trabalho", garantiu Geim, citado pela AFP. "Há duas categorias de laureados dos Nobel: aqueles que deixam de fazer o que quer que seja até ao fim da vida, o que é um mau serviço à comunidade; e aqueles que pensam que as outras pessoas vão pensar que ganharam por acaso e começam a trabalhar ainda mais."
Do IgNobel ao Nobel
Em conjunto, esta dupla trabalha há bastante tempo. Novoselov foi fazer o doutoramento com Geim, na Holanda, e depois seguiu-o para o Reino Unido. Com a Física, os dois têm-se divertido, ou não tivessem criado há sete anos uma fita superadesiva inspirada nas patas das osgas. Antes disso, em 1997, Geim fez levitar uma rã num campo magnético, para ilustrar os princípios da Física. Ora, em 2000, a rã que levitava valeu-lhe um IgNobel, prémios para a ciência divertida e inacreditável, "por fazer as pessoas rir primeiro e pensar depois".