O crítico discreto a quem o Porto deve o seu museu de arte contemporânea

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Fernando Pernes (esq.) com Siza Vieira, o arquitecto do Museu de Serralves dr

Primeiro director artístico da Fundação de Serralves, Fernando Pernes foi ainda um crítico de arte e um programador generoso, sempre atento ao trabalho das novas gerações

Com a morte de Fernando Pernes desaparece uma das vozes mais importantes da crítica de arte portuguesa da segunda metade do século XX e o homem a quem o Porto fica a dever, provavelmente mais do que a qualquer outra pessoa, o facto de ter hoje um museu de arte contemporânea. Pernes morreu no sábado, aos 74 anos, e foi ontem a enterrar no cemitério portuense de Ramalde.

Era uma figura discreta e sobre a qual se escreveu singularmente pouco, tendo em conta o muito que ele próprio escreveu sobre tantos artistas. O comunicado que a Fundação de Serralves enviou no domingo à imprensa, lamentando a sua morte e traçando uma síntese do seu percurso, talvez seja, na sua brevidade, o mais completo texto biográfico que lhe foi dedicado.

Natural de Lisboa, Pernes completou os seus estudos de arte em França e Itália, como bolseiro da Fundação Gulbenkian, tendo frequentado na Sorbonne os cursos do historiador e crítico de arte Pierre Francastel (1900-1970), tido como um dos fundadores da sociologia da arte. Estudou depois, em Roma e Florença, com Giulio Carlo Argan (1900-1992), cujas obras sobre a arte medieval e renascentista são ainda hoje uma referência.

Segundo o referido comunicado da Fundação de Serralves, Fernando Pernes iniciou a sua actividade como crítico de arte na revista Vida Mundial, tendo depois colaborado em muitas outras publicações, como o Tempo e o Modo ou, já no início dos anos 70, a Colóquio-Artes, então dirigida por José Augusto-França. Da geração de críticos surgida nos anos 60, à qual pertencem também nomes como Rui Mário Gonçalves ou Sílvia Chicó, a relevância do seu trabalho foi reconhecida ainda nessa década, tendo-lhe sido atribuído, em 1965, o prémio de Crítica de Arte da Gulbenkian.

O actual director artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, João Fernandes, considera-o "um dos críticos da década de 60 que se mostraram mais atentos ao aparecimento de novas obras, artistas e linguagens" e sublinha a "generosidade" com que Pernes sempre tratou os jovens criadores, quer no que escrevia sobre eles, quer no seu esforço para divulgar as respectivas obras nas galerias que dirigiu ou com as quais colaborou, como a Divulgação ou a Zen-111.

Um projecto dos anos 70

Antes do 25 de Abril de 1974, Pernes foi ainda presidente da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte e integrou a direcção da Sociedade Nacional de Belas-Artes, onde criou uma galeria de arte moderna e promoveu cursos de história de arte. Em 1973, radicou-se no Porto, que passará desde então a ser a sua cidade. Foi professor da Faculdade de Belas-Artes, responsável pelo suplemento de arte e cultura do Jornal de Notícias, e teve ainda cargos na RTP, logo após a revolução.

Mas o seu grande objectivo, a partir de meados da década de 70, é dotar o Porto de um museu de arte moderna. Começa a lançar as bases desse projecto logo em 1975, quando assume a direcção do Centro de Arte Contemporânea (CAC) do Museu Nacional de Soares dos Reis. "Traz exposições da Gulbenkian e faz ele próprio uma programação muito importante", diz João Fernandes, que vê estes anos do CAC, entre 1975 e 1980, como "um excelente prefácio ao que veio a ser o Museu de Arte Contemporânea" de Serralves. Dos colaboradores com que Pernes pôde contra neste período, João Fernandes destaca Etheline Rosas, "uma pessoa com muita experiência, que trabalhara no Brasil com Mário Pedrosa, o fundador da Bienal de São Paulo".

Em 1979, Pernes integra a Comissão para a Instalação do futuro Museu Nacional de Arte Moderna, que daria origem à Fundação de Serralves, da qual se tornou, como era justo e previsível, director artístico, cargo que manteve até 1996, quando foi substituído por Vicente Todolí. A primeira década de Serralves, durante a qual se começou a construir aquele que é hoje um dos mais consistentes projectos culturais portugueses do pós-25 de Abril, é, em boa medida, trabalho de Pernes.

Ao deixar a direcção artística, passou a assessor cultural do conselho de administração da Fundação de Serralves, tendo sido responsável, nas novas funções, pela promoção de vários cursos de iniciação à arte moderna e pela organização de viagens culturais aos mais importantes museus do mundo. A Fernando Pernes se deve ainda o facto de Serralves ter acolhido, no início dos anos 90, uma série de colóquios interdisciplinares pioneiros, comissariados por Paulo Cunha e Silva, que se tornaram, na época, um must da agenda cultural do Porto.

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