Embora não tenha passado por ela, José Luís Peixoto (n. 1974) publicou um romance para dar voz aos portugueses que viveram a experiência da emigração. Os pais foram imigrantes em França até 1972, ele garante não ter decalcado a vida deles, mas é natural que o assunto lhe interesse. O "Livro" são dois, um dentro do outro: "Sempre gostei de enredos circulares. [...] Se acaba conforme começa é porque não acaba nunca. Mas tu, eu, os Flauberts, os Joyces, os Dostoievskis sabemos que, para nós, acaba." A história tem vários modos: o diarístico, o realista e o alegórico. Abre com uma frase que prenuncia o cinturão literário: "A mãe pousou o livro nas mãos do filho." Mais tarde saberemos de que livro se trata.
Denominador comum, a diáspora: "Em 1990, viviam na França um total de 798837 pessoas de origem portuguesa, 603686 dos quais nascidos em Portugal e 195151 nascidos na França." Um filme de João Canijo, "Ganhar a Vida" (2000), mostra o microcosmo da pátria mítica. O tema da emigração tem sido recorrente na nossa literatura. Desde "A Selva" (1930) de Ferreira de Castro, o romance português mais traduzido de todos os tempos, a lista não parou de crescer. Cito dois clássicos: "A Floresta em Bremerhaven" (1975) de Olga Gonçalves, e "Três Vidas ao Espelho" (2010) de Manuel da Silva Ramos.
Naquela que é a sua obra mais ambiciosa, Peixoto ilustra esse universo com uma nitidez narrativa que se desobriga de qualquer ênfase. Adelaide, mulher com os pés assentes na terra, é um bom exemplo. À sua volta, o "bidonville" ganha contornos precisos. Mesmo as personagens à deriva têm identidade própria. O encadeado de situações entre o Portugal rural e o "huis clos" Saint-Denis estabelece o fio condutor da intriga.
Anos 1960. O Alentejo visto à luz crua da realidade: matança do porco, sexo clandestino, jogos adolescentes, cumplicidades várias. À maneira do teatro grego, Cosme, Ilídio e Galopim formam o coro. Isento de retórica, o discurso flui: "O irmão do Galopim estava nu, sentado dentro de um alguidar de esmalte, encolhido. O Galopim entornava uma panela de água morna sobre as costas do irmão, fazia vapor. Os pombos não tinham medo do lume, nem da água, nem do vapor. Voavam porque não podiam estar parados, eram pombos novos." Mas isso foi antes do salto para França.
Peixoto encontrou cedo a voz própria, o que fez dele um caso de sucesso. E se todo o envio é uma homenagem, Agustina teria gostado desta: "Foi a Dona Milú que apresentou o pedreiro à mãe do Ilídio. Não o fez pessoalmente. Encomendou um vestido, ao mesmo tempo que encomendou um reboco novo para os pedestais das estátuas do jardim." Se dúvidas houvesse, a escrita ganha a espessura que faltava aos livros anteriores.
Entre as páginas 210 e 263 o narrador impõe "Voyage au bout de la nuit" (Céline). Cita Homero, Shakespeare, Cervantes, Kafka, Proust, Voltaire, Balzac, Zola, Maupassant, Stendhal, Colette, Sartre, Camus, Tzara, Sorel, Yourcenar, Houellebecq e outros. Títulos, anedotário, ordem de arrumação na estante, acidentes biográficos: "Sylvia Plath nasceu no dia em que Dylan Thomas fez dezoito anos, a 27 de Outubro de 1932." Até um mestrado: "Bilinguisme: Nabokov et Beckett, le russe américain et le irlandais français». Estamos a falar de imigrantes portugueses em França. Em fundo, Adamo, Nana Mouskouri e Sylvie Vartan. Uma pena o livro não ter acabado na página 204. O que vem a seguir era escusado. A 'Bibliothèque Idéale' desequilibra tudo. Modelo por modelo, Javier Marías é o menos adequado. Não havia necessidade.