Li Shufu Ele comprou a Volvo e quer ser o Ford da China
O milionário, filho de agricultores, que comprou um dos maiores símbolos da indústria automóvel europeia quer mostrar ao mundo que pode vender carros de luxo e seguros. O seu lema é: "Nunca baixes a cabeça, nunca vires as costas. Seca as lágrimas e mantém-te de pé."
Gosta de vestir fatos azuis de marca desconhecida e combiná-los com meias cinzentas. Quem o conhece diz que é descontraído e conversador, num país onde o protocolo faz parte do dia-a-dia. Mas não é essa aparente falta de interesse pela imagem que o torna descuidado ou pouco ambicioso em relação ao futuro. Bem pelo contrário: aos 48 anos, o novo dono da marca sueca Volvo e presidente do conselho de administração da companhia gosta de se apresentar ao mundo como um self made man. Já designado por alguns como "o Henry Ford chinês", Li Shufu subiu na vida a custo de muito trabalho e hoje fabrica automóveis acessíveis ao homem comum.
Filho de agricultores, nascido em Taizhou (Sudeste da China), Li Shufu é um dos homens mais ricos da China. Em 2009 e antes de fechar negócio com o grupo Ford em Agosto deste ano, já dispunha de uma fortuna de 1,3 mil milhões de dólares (mais de 970 milhões de euros, à cotação actual) - montante que segundo a revista norte-americana Forbes o coloca em 44.º lugar no top dos 400 milionários do país.
E, no entanto, este empresário chinês iniciou-se na indústria automóvel apenas há uma dúzia de anos, depois de em 1986 ter fundado o Geely Group (Geely significa, em mandarim, "com sorte", "auspicioso"), onde começou por produzir peças para frigoríficos. Em 1994, quando viu que o negócio não estava a correr bem, Li Shufu assumiu o controlo de uma empresa de motociclos gerida pelo Estado, transformando-a numa das mais conhecidas da China. E foi só em 1997 que avançou com o lançamento do seu primeiro automóvel no mercado, transformando desde então o seu grupo num dos maiores do sector chinês.
O novo fabricante vendeu 325 mil veículos em 2009, a maior parte pequenos modelos comercializados no mercado interno, sempre a preços acessíveis. No entanto, apesar de ter crescido nas vendas 59 por cento em relação ao ano anterior, uma das grandes ambições de Li Shufu continua por realizar: transformar o nome da sua companhia em sinónimo internacional de sucesso, vender muitos carros nos mercados estrangeiros.
A compra da Volvo é a porta de entrada de Li Shufu para esta nova estratégia. O negócio foi fechado no início de Agosto numa cerimónia em Londres, pelo valor de 1,3 mil milhões de dólares em dinheiro, além da emissão de uma letra de dívida de 200 milhões de dólares entregue à Ford. "Cumprimos o nosso sonho de adquirir a Volvo, mas essa não é a conclusão do nosso plano, é apenas o primeiro passo", disse Li Shufu numa entrevista à Reuters. "Chegámos ao sopé de um grande monte... Esperamos e acreditamos que a Volvo Cars irá subir até ao topo da montanha."
No entanto, a aquisição da marca sueca representa a chegada do grupo Geely a um campeonato muito diferente do que disputou até agora e muitos analistas do sector interrogam-se sobre o futuro desta transacção. A seu favor, Li Shufu conta com o aval de Pequim, tal como outros homens de negócios chineses da geração mais jovem. "A ascensão desta nova classe de empresários conta também com o apoio do Governo", diz à Pública Virgínia Trigo, professora universitária e especialista em economia chinesa. "Existe uma cooperação entre o Governo e os empresários para atingirem objectivos comuns, por exemplo o da internacionalização."
O novo presidente da Volvo tem também já alguma experiência com empresas estrangeiras: o grupo Geely é proprietário de uma companhia australiana que produz caixas de velocidades, a Drivetrain Systems International. Está ainda associado à companhia britânica Manganese Bronze Holdings, que fabrica os famosos táxis pretos de Londres - Li Shufu gosta de se passear num táxi londrino, mas de cor branca, quando está em Xangai.
Outra vantagem de Li Shufu é o país onde nasceu. Ganhar escala num mercado de mais de 1300 milhões de habitantes não parece demasiado difícil para quem dá os passos certos. A China transformou-se em 2009 no maior mercado automóvel do mundo, tanto em vendas (mais de 13 milhões de unidades) como na produção, mas ainda tem muito espaço para crescer. Em termos de valores, continua atrás dos Estados Unidos, indica um estudo da consultora norte-americana J.D. Power & Associates, que informa que a média de carros comprados na China valia 17 mil dólares em 2009, enquanto nos EUA esse valor era quase o dobro: 30 mil dólares.
De acordo com os dados da Organização Internacional de Fabricantes Automóveis (AICO, na sigla original), que junta 41 associações nacionais ligadas à indústria automóvel, o número de viaturas produzidas em território chinês foi em 2009 de 13,8 milhões de veículos - muito mais do que em qualquer dos outros grandes fabricantes, como o Japão (oito milhões de automóveis e segundo lugar mundial) ou os Estados Unidos (5,7 milhões de unidades, terceiro lugar do ranking). O contraste no que respeita à evolução também não podia ser maior: o número de veículos que saíram de fábricas chinesas cresceu 48,3 por cento no ano passado, em relação a 2008, mas em termos mundiais a produção desta indústria diminuiu 12,8 por cento, afectada fortemente pela crise.
Ora, é aproveitando a forte expansão do mercado chinês que Li Shufu quer aumentar as vendas da Volvo, mas nem todos acreditam que irá conseguir. O empresário é visto no seu país como "uma personalidade controversa", refere a docente Virgínia Trigo, numa entrevista por email, concedida durante uma das suas deslocações à China. "Muitos admiram-no pela sua determinação como empreendedor e outros questionam os seus conhecimentos e capacidade para gerir uma marca internacional."
A Geely Automobile Holdings , que é detida em 51 por cento pela holding fundada por Li Shufu, a Zhejiang Geely, é o 12.º maior fabricante automóvel da China, atrás de grandes companhias como a Volkswagen ou a Toyota (que têm parcerias locais) e também de grupos locais como a Chery Auto ou a SAIC (Shangai Automotive Industry Corporation).
Em todo o caso, tendo em conta só as companhias onde o Estado chinês não tem qualquer participação, é o segundo maior fabricante automóvel, apenas ultrapassado pelo BYD Group. Tem hoje 12 unidades de produção na China onde emprega 13 mil trabalhadores, além de ter fábricas na Ucrânia, Rússia e Indonésia. Em termos mundiais, o grupo ocupava em 2009 a 27.ª posição entre os 50 maiores fabricantes (de novo dados da AICO), muito atrás de gigantes como a Toyota ou a General Motors - produtores de mais de 7,2 milhões e 6,4 milhões de veículos, respectivamente.
Li Shufu, que já prometeu manter a Volvo (marca e empresa) independente da Geely Automobile, ambiciona expandir mercados e chegar a compradores mais endinheirados. Deixou de ser suficiente vender carros de preços acessíveis: a meta é conquistar o mercado de viaturas de luxo.
"O nosso desafio real será como vamos desenvolver a marca Volvo no futuro", declarou o milionário chinês numa entrevista recente ao Wall Street Journal. "Os actuais carros da Volvo, como o S80, podem concorrer com o BMW Série 5, mas não atingiram a sofisticação dos [ainda mais topo de gama] BMW Série 7 ou dos Mercedes Classe S."
Quem conhece bem a cultura chinesa, como a investigadora Virgínia Trigo, concorda que o apelo dos produtos de luxo é visivelmente forte para uma nova classe média em ascensão. "O consumidor chinês tem uma grande apetência por produtos de luxo, porque tem uma grande preocupação com a "face", ou seja, com apresentar aos outros uma imagem que o dignifique e à sua família; por isso, privilegia mais a compra de um carro de luxo do que a decoração interior de uma casa, porque é algo que se vê, que se pode apresentar aos outros e dá estatuto."
Vender mais é a meta
Um estudo da consultora norte-americana J.D. Power sobre os chineses que tencionam comprar um automóvel nos próximos 12 meses mostra que as marcas de luxo Audi, BMW e Mercedes Benz são as favoritas e aquelas que têm uma maior influência no mercado.
Por outro lado, embora associada ao luxo, a Volvo continua a ser pouco significativa no mercado chinês, embora o negócio da compra à Ford lhe tenha dado notoriedade. O grupo norte-americano tem uma fábrica na China, em Chongqing, onde produzia um pequeno número de unidades da Volvo por ano. No entanto, as vendas em 2009 foram de apenas 15 mil unidades dos modelos S40 e S80.
A situação da marca sueca também tem andado enfraquecida a nível mundial: a Volvo comercializou apenas 335 mil veículos no ano passado - muito longe dos concorrentes que Li Shufu pretende alcançar, como a BMW, que no mesmo ano vendeu mais de 1,2 milhões de automóveis em todo o mundo.
Ao mesmo tempo que vai tentar comercializar mais carros Volvo, tanto na China como no estrangeiro, Li Shufu terá de manter a rentabilidade das suas outras marcas, que soam de forma estranha aos ouvidos ocidentais: Geely (deverá desaparecer até 2012); Emgrand (modelos de luxo); Englon (veículos económicos, como o actual Geely King Kong e o Golden Eagle); e Gleagle (com modelos como o Freedom Ship). Até agora, tem sido bem sucedida a estratégia de vender carros a preços acessíveis - uma estratégia favorecida pelo regime chinês, que tem atribuído fortes incentivos aos fabricantes automóveis nacionais, para cativarem os consumidores de menos recursos.
Além de ser claramente ambicioso, Li Shufu tem uma outra faceta menos conhecida: a de poeta, que transpareceu nos Estados Unidos, em 2006, quando pela primeira vez um fabricante chinês do sector esteve presente no salão automóvel de Detroit, aguçando a curiosidade de uma plateia cheia de jornalistas. Questionado sobre as eventuais dificuldades de entrada no mercado norte-americano, o empresário citou Confúcio: "Na mesma porção de terra, podem estar árvores altas e árvores pequenas e árvores que vivem e árvores que morrem." E acentuou: "Tudo o que estou a dizer é que a Geely quer ser uma árvore alta e saudável nesta mesma porção de terra." Na ocasião, deixou a promessa de que, em 2008, iria começar a exportar para os Estados Unidos automóveis familiares por menos do que 10 mil dólares.
Apesar desse objectivo, a Geely ainda não conseguiu entrar no mercado dos EUA. As primeiras acções de marketing foram descritas como uma "estreia não muito auspiciosa" pela revista Newsweek. O stand de exposição do grupo ficava no exterior do salão de Detroit, debaixo de um ninho cujos pássaros "decoraram" um sedan (veículo de três volumes) durante toda a semana.
Mais grave, porém, é o grupo chinês ser acusado de copiar modelos automóveis de grandes fabricantes mundiais. O caso mais conhecido é o Phantom da Rolls Royce. A nova limusina Geely GE, apresentada em Março do ano passado no Salão Automóvel de Xangai, é uma cópia do modelo de luxo da companhia automóvel britânica - mas por um preço bem inferior, cerca de 44 mil dólares. O original custa 365 mil dólares.
Para ganhar credibilidade e atrair mais compradores, o dono da Volvo pretende aumentar os níveis de segurança dos automóveis que fabrica - o grande princípio que norteou a marca sueca em todo o mundo desde que, em 1927, quando foi fundada em Gotemburgo. "Os carros são guiados por pessoas. Por isso, o princípio orientador de tudo o que fazemos na Volvo deve ser e deve manter-se a segurança", disseram os primeiros gestores, Assar Gabrielsson e Gustav Larson.
O acesso aos conhecimentos tecnológicos de marcas estrangeiras como a Volvo será para isso fundamental, e é também um objectivo do regime chinês. A aquisição da Volvo, explica Virgínia Trigo, "insere-se na estratégia de internacionalização das empresas chinesas, apoiada pelo Governo. Esta estratégia iniciou-se há alguns anos, por volta de 2005, e é conhecida pelo nome de going out". O objectivo é "a aquisição de marcas e de conhecimento tecnológico e de marketing".
É que, não obstante a China ser hoje o maior produtor mundial do sector, o número de veículos que exporta para os Estados Unidos e Europa continua a ser insignificante, devido à má reputação que a indústria automóvel local continua a ter no que respeita à qualidade. Esta é uma das razões pelas quais Li Shufu tenciona manter a produção de modelos Volvo na Suécia e na Bélgica, por onde continuará a abastecer os mercados ocidentais, apesar de estar prevista a abertura de duas ou três novas fábricas na China para venderem dentro do país.
Embora tenha sido constatada uma grande melhoria nos últimos anos, os níveis de segurança dos automóveis de marcas chinesas mantêm-se muito abaixo dos standards ocidentais. Um estudo sobre qualidade inicial realizado em 2009 pela J.D. Power & Associates inquire os compradores chineses de novos veículos sobre a performance global dos seus carros, incluindo a qualidade de desenho e de produção.
No ano passado, os fabricantes automóveis locais registaram 258 problemas por cada 100 veículos, enquanto as viaturas de marca estrangeira também produzidas no país registaram menos do dobro: 142 por cada 100. Já nos EUA, este número é bem mais baixo. Um inquérito semelhante aponta para 108 problemas por cada 100 automóveis.
Para persuadir políticos e sindicatos suecos a aprovarem o negócio de compra da Volvo, Li Shufu prometeu manter a sede e produção na Europa (Suécia e Bélgica). Não podia ser repetida a má experiência que foram os últimos anos da Volvo nas mãos da Ford, que, face à má situação nos EUA, já em 2008 tinha vendido a Jaguar e a Land Rover ao grupo indiano Tata.
Para já, Li Shufu parece ter convencido os trabalhadores das suas boas intenções e do caminho escolhido para fazer crescer a Volvo. A IF Metall, que representa os operários metalúrgicos e da indústria automóvel sueca, reconhece isso mesmo: "A nossa política sindical é que não nos "importamos" com quem é dono da empresa mas importamo-nos com a forma como são donos da companhia", disse à Pública um dirigente sindical, Aleksandar Zuza. "Depois de conversas longas e sérias com a Geely sobre os seus planos para a Volvo, os nossos representantes locais e nós [sindicato] concluímos que a Geely seria um bom dono."
E apesar da controvérsia que existe na China sobre o sucesso que conseguirá ter com a Volvo, Li Shufu mostra-se, aparentemente, cheio de vontade de vencer, nada disposto a desistir à primeira contrariedade. É essa a mensagem que faz passar num dos seus poemas (Uma Pessoa em Viagem) divulgados na Internet: "Nunca baixes a cabeça, nunca vires as costas. Seca as lágrimas e mantém-te de pé." a
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