Os retratos de Helena Gonçalves
A artista escolheu fotografar José Saramago, os bailarinos do extinto Ballet Gulbenkian, o actor Diogo Dória e o músico Rodrigo Leão por considerar que com a sua expressão artística contribuíram para tornar melhor o mundo em que vivemos
Quatro retratos de portugueses - um escritor, um grupo de bailarinos, um músico e um actor - em cenários hostis e descaracterizados criados pela fotógrafa Helena Gonçalves (com algumas das "armas" moldadas por Paulo Quaresma e instalação sonora de Rui Bentes). Foi há quatro anos que Helena Gonçalves começou a sonhar com a exposição 11.09.10 que pode ser vista no Espaço da Companhia de Teatro Útero, Ginjal, em Almada. "É mesmo um sonho", diz a artista de 31 anos, explicando que as primeiras ideias foram as que ficaram. Quis colocar rostos que não fossem anónimos (como os que habitualmente vemos nas notícias) em cenários de destruição para servirem de chamada de atenção. Depois foi à procura do cenário (Saramago foi fotografado no sótão do Teatro da Trindade; Diogo Dória e Rodrigo Leão em Palmela) e da melhor iluminação. O filósofo José Gil, que assina o texto do catálogo desta exposição que pode ser vista até ao dia 2 de Outubro, escreve que "o que perturba logo, nestas quatro fotografias de Helena Gonçalves, é o modo como ela constrói o sentido das imagens. Todas elas são encenações. As cenas têm um sentido imediato, "demasiado" óbvio: o naufrágio-destruição do Ballet Gulbenkian, Saramago bombista-suicida pronto a explodir e a fazer explodir a injustiça do mundo com os seus livros. As imagens reenviam a um referente real artificial, quer dizer, a uma outra imagem. Melhor: ao sentido do sentido que o estado de coisas adquire ao ser assim fotografado." Quando Helena fotografou José Saramago, em 2007, ele ainda não sabia que ela lhe tinha preparado uma arma e disse que gostaria de ter levado Memorial do Convento para colocar ao peito. Quando viu que era de livros que a arma de Helena era feita, riu-se e saiu-lhe um "você não é nada parva!".
Para José Gil, "Diogo Dória tombando na guerra de Espanha dá sentido à imagem de 1936 de Robert Capa que dá (tira?) sentido à morte brutal do soldado republicano". O filósofo diz que a fotografia "faz surgir um real mais real" com "a força de um grito visual ou de um manifesto". E "as teclas do piano de Rodrigo Leão são as balas de um megafone-metralhadora no meio das ruínas (de um país?), os livros de Saramago as granadas que brilham na noite".
A artista portuguesa tem desde quinta-feira outra exposição em Lisboa, Jardim Botânico, na Galeria das Salgadeiras, inserida na iniciativa "Bairro das Artes - A Rentrée Cultural da Sétima Colina".