Zola Jesus: O gótico para uma nova geração

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O seu herói é Klaus Nomi - personagem excêntrica que marcou a Nova Iorque da alvorada dos anos 80

No último ano, na blogosfera, enquanto as sonoridades pop contagiadas pelo espírito do sol se impunham (Girls, Best Coast, Delorean, Drums, Washed Out), uma nuvem gótica formava-se no horizonte, afirmando-se como contraponto sombrio a essa vaga.

Não é, claro, um movimento. São sensibilidades partilhadas. São indícios dispersos, que não chegam a formar um todo coerente, que podem encontrar-se em nomes com visibilidade como Florence & The Machine, Bat For Lashes, Cold Cave e até The xx ou, de uma área mais exploratória, os incríveis Salem, os impronunciáveis oOoOO ou os Mater Suspiria Vision.

No meio, entre a afirmação pop e a vontade de experimentação, encontram-se nomes como Glasser, Iamamiwhoami e Zola Jesus, ou seja, a americana Nika Rosa Danilova, 21 anos, estudante de Filosofia, da rural Madison, Wisconsin. Para os mais informados ela não é uma desconhecida. Desde 2008 lançou vários singles e EPs, para além do álbum "The Spoils", o ano passado. Ao mesmo tempo envolveu-se em várias colaborações (Burial Hex, Former Ghosts e LA Vampires). Mas em nenhum desses momentos teve a projecção que o novo álbum "Stridulum II" (uma versão aumentada do EP "Stridulum I"), lhe está a dar. Antes a sua música estimulava, mas por vezes a inteligibilidade perdia-se no ruído e nas referências industriais. Agora existe maior clareza de intenções. Vontade de afirmar universalidade.

A ópera antes da pop

O seu herói é o já falecido Klaus Nomi, personagem excêntrica que marcou a Nova Iorque da alvorada dos anos 80. Tal como ele, também ela começou na ópera, antes de se virar para a pop.

"Estudei ópera durante muito tempo mas depois desisti, era extremamente autocrítica e queria fazer música sem ter qualquer procedimento técnico em mente", afirmou.

Na adolescência cresceu a ouvir a música que o irmão lhe dava a conhecer (Residents, SPK, Diamanda Galas, Lydia Lunch, Throbbing Gristle ou Swans), antes de se aventurar, ela própria, na criação. Inicialmente, ao piano dos pais. Depois, utilizando tecnologia rudimentar e fazendo sobressair a voz por entre sintetizadores.

A voz, profunda, tem inegáveis pontos de contacto com a de Siouxsie Sioux. Os ambientes da música são sombrios. Os teclados austeros. As roupas negras. As letras impossivelmente românticas. E as canções têm uma qualidade emocional eloquente. Não espanta que a propósito dela se fale de uma ressurreição do gótico. Ela, por norma, ri-se quando lhe lembram o assunto. Diz que no cinema ou na TV consegue discernir essas referências - "realmente, há por aí muitos filmes sobre vampiros", troça - mas na sua música diz ter mais dúvidas. "Sinto-me mais próxima da soul e da forma como Marvin Gaye canta, por exemplo, do que propriamente dos Bauhaus. Mas se falarmos de gótico como algo carregado de paixão, então talvez seja verdade."

Cenários fantasmagóricos

Este mês, num intervalo das obrigações universitárias, anda a fazer primeiras partes da sueca Karin Dreijer Andersson, isto é Fever Ray, a metade feminina da dupla The Knife, que começa a influenciar os caminhos mais recentes da música popular. Para além de Zola Jesus poder-se-ia falar da estreia da americana Glasser, com o álbum "Ring", ou da misteriosa Iamamiwhoami como sendo influenciadas por ela. Tal como Fever Ray, também elas gostam de descobrir a beleza no grotesco, praticando uma electrónica marcial, de formas elegantes, como se evocassem a aproximação do apocalipse com a única arma que têm: a voz.

Em todas elas parece existir um confronto entre consciente e inconsciente, os cenários propostos são fantasmagóricos, numa sucessão de rituais, que têm qualquer coisa de urbano mas também de medieval, expostos numa pop que tem muita coisa de barroco. No caso de Zola Jesus, ela diz que habitar numa cidade de província é motivo de inspiração. "Os invernos são muito rigorosos por aqui, mas ao mesmo tempo muito poéticos. Há tempo para criar, para estarmos recolhidos e para desenvolvermos também o nosso mundo de fantasia", argumenta.

Nos anos 80 dizer-se gótico era afirmar uma identidade suportada pelo imaginário de bandas nascidas na ressaca do punk, como Siouxsie & The Banshees, Bauhaus ou Sisters Of Mercy. Nos anos 90, o conceito disseminou-se e os góticos começaram a ser o grupo mais olhado de lado lá da escola. Agora, para uma nova geração, parece começar a fazer sentido outra vez a palavra gótico, mesmo que ninguém saiba exactamente o que designa. 

[Fontes: Dazed and Confused, Fact, The Quietus, Paste]

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