Câmaras concertam posições sobre abertura das grandes superfícies aos domingos e feriados

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na altura de delinearem os seus investimentos, as empresas vão identificar os locais onde podem abrir portas todos os dias Foto: Enric Vives-Rubio

É o efeito dominó. Para evitar a transferência de consumidores e não deixar fugir futuros investimentos, os municípios geograficamente mais próximos deverão concertar posições sobre a decisão de abrir, aos domingos à tarde e feriados, as lojas com mais de dois mil metros quadrados de dimensão. E o mais provável é a resposta ser positiva.

Na Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) não há qualquer posição sobre esta estratégia de concertação, mas Fernando Ruas admite que haverá harmonização de decisões entre concelhos vizinhos. "Cada município é soberano para fazer o que entender, sem qualquer influência ou aconselhamento por parte da ANMP", sublinha o autarca de Viseu e presidente da ANMP.

No concelho que gere, há quatro lojas de grandes dimensões que, à luz da lei ainda em vigor, têm de fechar portas aos feriados. Fernando Ruas quer esperar para ver que decisões vão tomar os distritos mais próximos e admite que, se optarem por permitir a abertura, Viseu seguirá o mesmo caminho. "Não estamos para tomar uma decisão que depois é contrariada pelos nossos vizinhos", explica, admitindo que é pouco provável existirem hipermercados encerrados em Viseu, se os outros distritos autorizarem a abertura aos domingos até à meia-noite.

Numa ronda feita pelo PÚBLICO aos concelhos onde se concentra o maior número de grandes superfícies comerciais que hoje não podem abrir em horário livre, Sintra e Amadora esclarecem que o assunto vai ser discutido em conjunto, porque "não faz sentido haver um hipermercado aberto e a 50 metros de distância estar outro encerrado".

"Já falei com os meus colegas de Sintra, Oeiras, Amadora, Lisboa, Odivelas, Loures e Vila Franca de Xira e só estamos à espera de um dia para podermos reunir. Tendo em conta a proximidade é importante que as posições sejam o mais semelhante possível", diz Joaquim Raposo, presidente da Câmara da Amadora que até já recebeu um pedido de autorização de um operador da distribuição moderna, apesar de o decreto-lei do Governo ainda não ter sido apreciado pelo Presidente da República.

Num gesto inesperado, e depois de anos de polémicas misturadas com ausência de discussão, o diploma foi aprovado em Conselho de Ministros a 22 de Julho. Pretende "facilitar a vida aos cidadãos" e alargar "a liberdade de iniciativa económica das empresas". De acordo com o comunicado emitido nesse dia, mantém-se a possibilidade de as autarquias, em casos "devidamente justificados", alargarem ou restringirem os limites horários fixados, "ajustando, assim, de acordo com os interesses locais, os horários definidos para todas as épocas do ano ou em épocas determinadas".

Caso não haja qualquer decisão em contrário, os hipermercados podem abrir portas aos consumidores aos domingos à tarde e feriados, "facilitando a vida aos cidadãos". Por outro lado, diz o documento, a nova lei "alarga a liberdade de iniciativa económica das empresas e permite maior rentabilidade dos espaços e venda dos produtos".

Polémicas e demissões

A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal lamentou a "falta de transparência do Governo numa matéria tão delicada" e garantiu que a medida vai agravar o desemprego no sector, que já atinge 90 mil pessoas.

Opinião diferente tem a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição, que há 15 anos defende a alteração da lei. A harmonização de horários, diz, terá um impacto para a economia superior a 2,5 mil milhões de euros até 2017; serão criados oito mil empregos directos e indirectos.

O comércio tradicional contesta o argumento:haverá, sim, uma nova gestão de recursos humanos "com transferência de pessoal de períodos com menor fluxo de clientes para os novos horários de abertura". Também a Conferência Episcopal Portuguesa discordou do alargamento do horário, afirmando que o lucro não deverá sobrepor-se aos valores familiares.

Há mais de uma década que o tema suscita debates apaixonados. Chegou a motivar a demissão de Daniel Bessa, ex-ministro da Economia, e Manuel dos Santos, secretário de Estado do Comércio, durante o Governo de António Guterres, que autorizou a abertura dos hipermercados aos domingos entre as 8h e as 13h.

Com a decisão recente do Governo - comunicada pelo ministro da Economia, Vieira da Silva - Portugal junta-se a países como a Suécia, República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia e Eslovénia, onde não há restrições à abertura e encerramento dos estabelecimentos comerciais, segundo o EuroCommerce.

No mapa nacional há 177 estabelecimentos comerciais que fecham aos domingos depois das 13h e 2616 que podem abrir sem restrições, por terem uma área inferior a dois mil metros quadrados. Contas feitas, no total do comércio que necessita de licenciamento, 94 por cento já abrem aos fins-de-semana e feriados.

O argumento do emprego

Em Sintra, onde há seis lojas actualmente obrigadas a encerrar, "ainda não há decisão final". Fonte do gabinete de comunicação de Fernando Seara diz que o assunto deverá ser "articulado com os municípios vizinhos". As deliberações formais só serão tomadas depois de o diploma ser publicado em Diário da República.

A meia hora de distância de Sintra, a autarquia socialista de Loures já fez saber que é favorável à abertura. Aliás, Carlos Teixeira, presidente da câmara, diz que a opinião dos municípios a norte do Tejo, como Vila Franca de Xira ou Odivelas, vai no mesmo sentido. "Das conversas que já tivemos informalmente, em princípio as posições serão a favor. Haverá mais vantagens do que desvantagens", disse.

Os autarcas, refere Carlos Teixeira, estão preocupados com o desemprego. E é "significativo" se uma grande superfície oferecer mais postos de trabalho. "Quem beneficia são as pessoas que estão desempregadas na zona onde estão instaladas", justifica.

Também António Capucho, presidente da Câmara de Cascais, admite que a "tendência será para a harmonização dos horários". "Não deixaremos, naturalmente, de trocar impressões com as câmaras vizinhas", esclarece, por email. Quando os grupos de distribuição começarem a pedir autorização para abrir aos domingos à tarde, António Capucho quer ouvir as "associações com interesses relevantes", dos patrões aos sindicatos.

Lisboa com mais casos

É em Lisboa que se concentra o maior número de lojas com mais de 2000 metros quadrados de dimensão. Segundo o Ministério da Economia são 14, quase o dobro de Vila Nova de Gaia, onde há nove lojas obrigadas a encerrar aos feriados. Dos hipermercados Continente, El Corte Inglés ou Pingo Doce, até à cadeia de vestuário H&M ou o Media Markt, o município lisboeta é o que terá mais decisões a tomar sobre esta matéria.

Oficialmente, a autarquia não quer pronunciar-se, mas o vereador do Ambiente Urbano, Espaço Público, Espaços Verdes e Abastecimentos, José Sá Fernandes, já veio dizer que se vai bater para que continue tudo como está. Em declarações ao jornal i defendeu que a abertura sem restrições pode pôr em causa a sobrevivência do pequeno comércio e sustentou que domingos e feriados "são dias para olhar para o céu e não para dentro de grandes superfícies".

Em Julho a maioria socialista votou contra a moção do vereador do CDS-PP António Carlos Monteiro contra o alargamento do horário de funcionamento. PCP e BE também estão contra o decreto-lei e devem votar contra qualquer decisão favorável que seja apresentada em Assembleia Municipal.

No distrito do Porto, também se espera pela publicação da nova lei para uma tomada de posição definitiva, mas a autarquia da Maia - sete grande superfícies actualmente encerradas - admitiu à Lusa que vai dar luz verde aos horários sem restrições.

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de comunicação recua e diz agora que "está a avaliar com o devido cuidado a matéria em apreço". Para tal, "está a estudar quais as vantagens e desvantagens para os consumidores e para a actividade económica do concelho". Nem a Câmara de Vila Nova de Gaia, nem a do Porto se mostraram disponíveis para prestar declarações.

Em Matosinhos qualquer decisão será tomada depois de reuniões com os agentes económicos do concelho. Além disso, Guilherme Pinto, presidente da autarquia, diz aguardar por um encontro na Junta Metropolitana do Porto para discutir o assunto.

Em Braga, Mesquita Machado diz que não há qualquer decisão tomada. "Teremos de estudar a situação quando conhecermos a lei. Não me posso pronunciar sobre uma coisa que não conheço em pormenor", afirmou. Posição semelhante tem a autarquia de Guimarães que vai tomar uma decisão apenas quando a legislação for publicada em Diário da República. O mesmo se passa em Aveiro, onde o processo "ainda se encontra em análise", de acordo com o vereador Miguel Soares Fernandes.

No Sul, em Albufeira (o quarto município na lista dos que albergam maior número de grandes superfícies que por agora se mantêm fechadas), o assunto não está sequer em cima da mesa. O autarca Desidério Silva (PSD) refere mesmo que o horário de abertura das grandes superfícies "não é uma questão prioritária". "Tenho outros problemas muito mais importantes para resolver", justifica.

O presidente da câmara, membro da comissão política nacional do PSD, realça que esta foi "uma matéria que o Governo, não querendo tomar posição, declinou para as autarquias". E lembra que, se os horários se mantiverem, nem os consumidores vão deixar de fazer compras, nem as lojas vão deixar de vender.

Influência no investimento

Certo é que, na altura de delinearem os seus investimentos, as empresas vão olhar para o mapa nacional e identificar os locais onde podem abrir portas todos os dias.

Teresa Albuquerque, directora-geral da Moviflor, admite que a posição dos municípios "influenciará claramente a decisão de novas aberturas" e terá impacto significativo nas vendas. "Ainda não fizemos contas, mas no nosso caso a compra de mobiliário faz-se em família e o domingo à tarde é muito importante", disse. Teresa Albuquerque não duvida que os consumidores se vão deslocar entre concelhos ("desde que não seja muito longe") para visitarem as lojas que mantêm as portas abertas.

Na Sonae MC, dona do Continente e Modelo (do mesmo grupo do PÚBLICO), as receitas deverão aumentar três por cento no ramo alimentar em 2011, o que pelas contas dos analistas corresponde a 100 milhões de euros.

Em declarações recentes à imprensa, Luís Reis, chief corporate centre officer da Sonae, disse que assim que a medida estiver em vigor será necessário contratar quase mil novos trabalhadores. O emprego indirecto (em funções nas áreas de segurança ou limpeza, por exemplo) aumentará entre 20 a 30 por cento. com Idálio Revez, Maria José Santana, Samuel Silva, Sandra Ferreira e Sara Soares

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