Morente abriu com chave de ouro terceiro Festival de Flamenco de Lisboa

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Enrique Morente e David Cerreduela Hernández Nuno Ferreira Santos

Costuma dizer-se que à terceira é de vez e, no caso do Festival de Flamenco de Lisboa, a máxima popular justifica-se. O concerto de abertura foi portentoso. Enrique Morente, que Portugal nunca havia recebido em palco, e que ali foi (aliás muito bem) apresentado como “cantaor antigo e moderníssimo”, deixou bem claras as razões da sua mestria. A forma, fantástica, como recriou temas que em disco já tinham fixado aura máxima, não deixou dúvidas quanto às suas capacidades interpretativas, que aos 67 anos se mantêm vigorosas e envolventes.

Aberto “a capella”, com todos os músicos (e que músicos!) a compor uma ferradura humana no fundo do palco, quatro de cada lado e Morente ao centro, de frente para a plateia, o concerto arrancou logo pelo lado mais profundo do flamenco, num desafio planeado a várias vozes e marcado a palmas, onde os nomes de Nelson Mandela e de África foram mote para variações de estilos vocais. Daí até “La leyenda del tiempo”, de Lorca, foi um passo. A força do “cante” já marcara o seu território, com todo o vigor e sem nenhum excesso, coisa para que contribuiu, e muito, a coesão entre os músicos: David Cerreduela Hernández e Mario Montoya nas guitarras; “Bandolero” na bateria; Angel Gabarre Barull, Antonio Carbonell e Enrique Morente Carbonell (“Kiki”), palmas, coros e percussão (em lugar do cajón foi usada uma aparentemente vetusta mesa de madeira); e Pedro Gabarre Carbonell (“Popo”) e Isaac Albéniz de los Ríos Batchelder (“Isaac de los Reyes”), no baile, que nunca foi adereço menor mas sempre prolongamento visceral da música.

Além de Lorca, Morente revisitou ao longo dos 90 minutos que durou o concerto temas de outros discos, brilhando de forma exuberante em “La saeta”, onde o cante desafiou, com destemor, os limites físicos da voz. O fecho, de novo em semi-círculo sob luz vermelha, foi apoteótico e prestou a devida homenagem ao lugar: algumas passagens corais do cante talvez não desdenhassem a óperas de Mozart ou Verdi.

O “encore” foi, por si só, quase um novo espectáculo. Morente e os músicos recomeçaram com “Adiós Málaga”, do disco que o mestre granadino dedicou em 2008 a Picasso (“Pablo de Málaga”, precisamente), mergulhando de seguida na vertigem das canções de “Yerma”, abordadas no disco “Lorca” de 1998. Foi um segundo final, mais enérgico, por contraposição à quase solenidade do anterior.

No espectáculo, que mereceu todos os aplausos que lhe foram concedidos, houve no entanto falhas que destoaram do alto nível geral. O apoio de palco pareceu desatento (ninguém colocou o microfone no início da segunda “roda”, foi o próprio Morente a fazê-lo) e a iluminação falhou no início com demasiada luz sobre os guitarristas e, depois, com ausência de foco sobre os “bailaores” no início das suas prestações. Fora isso, foi um espectáculo memorável: Morente é um mestre e nele vive um “duende” eterno.

P.S.:

Sexta-feira, 17 de Setembro, o Festival de Flamenco de Lisboa encerra com Miguel de Tena, jovem “cantaor” multipremiado e muito elogiado. Vamos ouvi-lo.

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