O prodigioso Christian Tetzlaff
Festival Mozart?Solistas do Festival Cantabile?mmmnn
Elina Vähälä (violino), Diemut Poppen (viola), Alexandre Chaushian (violoncelo), Ralf Gothóni (piano) Lisboa, Grande Auditório Gulbenkian, dia 8, às 19h. Sala a dois terços
Orquestra Gulbenkian?mmmmn
Christian Tetzlaff (violino e direcção) Hanna Weinmeister (viola) Lisboa, Grande Auditório Gulbenkian, dia 8, às 21h. Sala a dois terços
Quase um mês antes do que era habitual, a temporada Gulbenkian teve início na quarta-feira com os dois primeiros concertos do Festival Mozart, que irá decorrer até 10 de Outubro. Trata-se da primeira programação arquitectada pelo novo director do Serviço de Música, Risto Nieminem, que logo no início do recital inaugural subiu ao palco para dar as boas vindas ao público e convidá-lo para uma conversa com os instrumentistas após a interpretação do Trio para piano e cordas K. 502 e do Quarteto para piano e cordas n.º 1, K. 478. Esta primeira apresentação, ao fim da tarde, resultou da colaboração com o Festival Cantabile, organizado pelo Goethe-Institut, estabelecendo assim um cruzamento entre os dois eventos.
Os solistas do Festival Cantabile possuem um bom nível e têm respeitáveis carreiras internacionais, mas parecem ser herdeiros de uma escola interpretativa tradicional que nivela a abordagem de Mozart pelo repertório mais tardio. Algum abuso do vibrato, ataques demasiado enfáticos ou pesados (sobretudo no violino) e a ausência de um trabalho mais meticuloso ao nível dos fraseados e da variedade de articulações ofuscaram, por vezes, a elegância retórica e a clareza do estilo mozartiano. No Quarteto K. 478, mais impetuoso e com um carácter quase beethoveniano, o resultado global foi porém mais equilibrado.
A prova de que se consegue obter uma interpretação estilisticamente adequada e musicalmente interessante em Haydn e Mozart com instrumentos modernos e executantes que não vêm necessariamente da corrente das "interpretações historicamente informadas" surgiu no concerto da noite com a Orquestra Gulbenkian e o violinista Christian Tetzlaff, que dirigiu no lugar de concertino e foi um dos solistas na Sinfonia Concertante K. 364, de Mozart. O trabalho que o violinista alemão desenvolveu com a orquestra foi notável ao nível do equilíbrio, da precisão e da compreensão do idioma do estilo clássico. Nem tudo foi perfeito e os andamentos rápidos (como o Finale da Sinfonia n.º 80, de Haydn, ou no Presto da Sinfonia Concertante) exigiram à formação um esforço suplementar para acompanhar a fulgurante energia e agilidade de Tetzlaff, mas o resultado geral foi óptimo, por vezes mesmo empolgante.
O recorte dos fraseados, os diálogos entre as vozes da textura interna das obras, os efeitos de surpresa e os contrastes dinâmicos foram muito bem conduzidos. Tetzlaff optou quase sempre por andamentos bastante rápidos (mesmo no Adagio da Sinfonia de Haydn), mas a sua interpretação nunca foi precipitada. Aliás, a forma como gere os silêncios ou as respirações entre frases ou secções é admirável. Estabeleceu também uma excelente sintonia com a violetista Hanna Weinmeister (detentora de uma bela sonoridade) na Sinfonia Concertante.
As obras de Haydn e Mozart foram intercaladas pela Noite Transfigurada op. 4 (na versão de 1943), de Schoenberg, estabelecendo assim uma ponte entre a 1.ª e a 2.ª Escola de Viena. Nesta belíssima obra inspirada num poema de Richard Dehmel (1863-1920), onde o ultra-romantismo cede lugar ao emergente expressionismo, a Orquestra Gulbenkian dirigida por Tetzlaff ofereceu-nos uma interpretação tecnicamente bem alicerçada, dotada de um intenso e profundo lirismo poético. Foi um auspicioso início de temporada, bem ilustrativo do crescimento técnico e artístico que a orquestra pode obter quando orientada pelas mãos certas.
Cristina Fernandes