A perspectiva dos alunos da Casa Pia
"Esse assunto já não nos afecta"
Aluno no Centro Maria Pia
Rúben Mendes não tinha mais de sete anos quando entrou na Casa Pia de Lisboa (CPL) e apesar de, na época, não conhecer bem a instituição, a opção revelou-se acertada. "Gosto muito de aqui estar! Há um sentimento de companheirismo entre nós e isso motiva muito. Com o passar dos anos comecei a envolver-me mais nos projectos e hoje consigo ver a grandiosidade da instituição", explica o aluno de 15 anos.
"Nos últimos anos o clima na instituição mudou muito", refere Rúben, para explicar o ambiente vivido na CPL. "Temos uma nova estrutura e houve várias mudanças", decisões tomadas, principalmente, após o caso que assombrou a instituição. "Era muito novo, mas lembro-me do impacto que o caso teve. Foi muito negativo!", explica o estudante de forma sentida. O abalo foi "enorme." Rúben era ainda criança, contudo recorda com nitidez aquilo que sentiu: "Chorei várias vezes porque o que se comentava não era o que acontecia dentro da instituição. Havia muitas críticas. Falo-lhe mesmo do coração, foi muito complicado," confessa o jovem.
Apesar dos comentários negativos por parte da comunidade e do constante "ataque" da comunicação social, o estudante afirma que aquele não era o tema das conversas entre alunos. Não era na época, e não o é hoje. "Esse assunto já não nos afecta. Nunca olham para o que há de bom na Casa Pia, nós já sabemos do que vão falar", refere o estudante indignado.
Para Rúben é claro que todos gostam de estar na instituição. "As pessoas que vestiam a camisola da Casa Pia de Lisboa continuam a vesti-la, e é isso que importa!", concluiu.
Frustrado por tudo o que era transmitido
Aluno no Centro de Pina Manique
Técnico de relojoaria não parece ser um curso com muita procura, mas foi precisamente isso que levou Igor Pereira até à Casa Pia de Lisboa. Chegou há apenas dois anos ao Centro de Educação e Desenvolvimento de Pina Manique e garante, com toda a convicção, que gosta muito de ali estar. "A experiência tem sido bastante positiva. Antes de frequentar a instituição tinha estado noutras escolas, mas resolvi recorrer à Casa Pia por ser a única, na Península Ibérica, a oferecer esta formação", explica o aluno de 26 anos.
Quando se inscreveu nem sequer teve dúvidas. "Não tinha grandes opções de ensino, porque nesta área não há oferta, mas não pus em causa a escolha. O caso [de pedofilia] nem me passou pela cabeça!", garante. "Já foi há algum tempo! Eu não tinha a consciência que tenho hoje, mas, mesmo assim, acho que o caso foi bastante inflamado pela comunicação social. Agora que estou aqui sinto-me verdadeiramente frustrado pelo que foi transmitido sobre a Casa Pia", acrescenta o aluno.
A força da instituição é, para o estudante de Pina Manique, inquestionável. "Continuamos aqui firmes, continuam a ser formados óptimos profissionais, e a essência é a mesma!" É de lamentar apenas, diz, a pouca consideração que se deu à história da instituição. "O que se construiu aqui, durante tanto tempo, quase foi esquecido. As pessoas viraram a cara à carga extremamente positiva que existe", lamenta.
"Dão-nos mais atenção que nas escolas regulares"
Aluna no Centro Maria Pia
Desde o pré-escolar na Casa Pia de Lisboa, Soraia Carvalho, hoje com 20 anos, não hesita em demonstrar o apreço que sente pela instituição. "O ambiente é muito bom! As pessoas, funcionários e docentes estão sempre disponíveis para os alunos. Dão-nos mais atenção do que nas escolas regulares e há uma relação de proximidade e de confiança muito boa", diz a estudante, que actualmente frequenta um dos cursos do Centro de Educação e Desenvolvimento de Maria Pia. "Gosto de aqui estar, muito mesmo!", acrescenta Soraia.
Nos últimos anos, e, segundo a aluna, é possível verificar "algumas mudanças" no funcionamento da casa, nas suas escolhas. Contudo, garante, "a essência continua igual. A instituição é a mesma, continuamos a ter o mesmo entusiasmo e fazemos tudo como antes." As alterações são mais visíveis nos olhares provenientes do exterior. "A mudança de imagem que está a ser realizada pela instituição tem ajudado as pessoas a ver um outro lado da Casa Pia: a ver as pessoas!" Algo que, na opinião de Soraia, se tornava essencial após o abalo sofrido, em 2002, com o caso de pedofilia. "Na altura senti que, dentro da Casa Pia, as pessoas ficaram mais retraídas, principalmente em dar a sua opinião sobre o assunto". Por outro lado, "existiam muitas críticas e olhares de lado". "Claro que isso não era positivo para nós!", acrescenta a estudante.
O ambiente vivido na época foi para Soraia, e apesar da gravidade da situação, normal. "Lembro-me de quase não abordarmos o tema. O caminho era para a frente, não havia outra solução!", explica a aluna. E assim foi. "A instituição superou o problema da melhor forma", garante.
"Fomos obrigados a ver as coisas tal como elas eram"
Aluna de Educação Social
Cátia Correia tem actualmente 24 anos e frequenta o curso de Educação Social. Está no ensino superior, mas grande parte do seu percurso escolar, da sua história, está ligada à Casa Pia. "Estudei aqui muitos anos, foi uma experiência boa! Sempre houve um grande espírito de equipa na instituição", refere Cátia.
Hoje, mais do que ex-casapiana, é uma das caras da Associação Juvenil da Casa Pia de Lisboa, criada em 2009, com o objectivo de fortalecer os laços entre os casapianos. Cátia olha para um dos momentos mais negativos que a instituição viveu e esclarece que "depois do processo notou-se que os alunos estavam mais dispersos e era, por isso, necessário voltar a uni-los". Esta é uma forma de superar o problema, que confessa ter deixado algumas marcas.
"Na altura que o caso surgiu fomos obrigados a ver as coisas tal como elas eram. Aquela realidade não se podia desvalorizar, não havia como negar o que estava a acontecer", recorda. "Falavam connosco nas aulas para não pensarmos sempre naquilo", mas, mesmo assim, não era fácil.
Apesar de tudo o que aconteceu, Cátia olha em frente. "O sentimento negativo foi passando," confessa. As mudanças na casa fazem-se notar principalmente no que respeita ao espírito que nela se vive. "Acho que ficámos mais unidos, mais fortes. Juntamo-nos mais", refere a estudante, vendo o lado positivo de toda a problemática. A problemática hoje é outra: "Estamos a limpar a imagem aos poucos, mas parece que ninguém vê o que fazemos!"