Joaquin Phoenix ainda está aqui... ou não
A conversa com Phoenix não foi uma entrevista. Monossilábico, escondido atrás de um cabelo e barba revoltos e de óculos escuros, o actor nomeado para o Óscar de Melhor Actor por Walk the Line (2005), o biopic de Johnny Cash, começava uma trajectória que terminará em Setembro, com a estreia, nos festivais de Veneza (dia 6) e Toronto (dia 11), do pretenso documentário feito pelo seu cunhadoe actor Casey Affleck: I"m Still Here. A estreia comercial deste filme sobre "o ano perdido" de Phoenix é a 10 de Setembro nos EUA e estará disponível on demand na web a partir de 24.
O filme é apresentado, no trailer que surgiu na Internet na semana passada, como espelho da "coragem e a reinvenção criativa, bem como as ramificações de uma vida passada sob o olhar público", ao mesmo tempo que fala de "palhaços da montanha" e da vida como "uma viagem" "na parte de trás de uma limusina".
Ao longo dos meses, foram surgindo vídeos no YouTube com Phoenix, com o mesmo ar descomposto, a actuar em Miami e Las Vegas como (mau) rapper, em cenas de pugilato com espectadores ou a cair do palco. Cibernautas como Anne Clevenger, que comentava num blogue em 2009, reagiam às imagens: "Que vergonha, explorarem desta maneira cruel o Joaquin. A doença mental é triste e merece compaixão como qualquer outro distúrbio." Outros arriscavam já que só podia ser mesmo uma brincadeira.
O filme de Casey Affleck surge como corolário de uma experiência que tudo indica ser, como arrisca João Quadros, argumentista do humor de Bruno Nogueira em Tubo de Ensaio, na TSF, "um pastiche" do que já fez Andy Kaufman - o histórico humorista norte-americano que o grande público conhece como o Latka da série Táxi, que criou o alter ego cantor romântico Tony Clifton e que foi imortalizado por Jim Carrey e Milos Forman em Man on the Moon (1999). Com o trailer na Internet, esta é a equiparação mais frequente de I"m Still Here, a par do filme This Is Spinal Tap ou das experiências de Sacha Baron Cohen.
Comportamento extremo
O debate e a curiosidade ressurgem e recuperou-se imediatamente o que o Los Angeles Times escreveu em Maio, na sequência de um visionamento do filme para distribuidores, sobre o conteúdo de I"m Still Here. Será um mockumentary ao estilo Borat ou, como disse Casey Affleck ao Independent, "um retrato superíntimo" de alguém "muito reservado e muito, muito, muito conhecido". "Não é um engodo", garantiu.
Actos do ano perdido de Joaquin Phoenix, via fonte do Los Angeles Times: vemo-lo a cheirar cocaína, a solicitar serviços de prostituição, a ter sexo oral com uma agente publicitária, a tentar trabalhar com P. Diddy, em nudez frontal e numa sequência "de dar voltas ao estômago na qual alguém que está em contenda com Phoenix defeca na cabeça do actor enquanto ele dorme". A Magnolia Pictures de Eamonn Bowles lá adquiriu os direitos de distribuição e sobre o filme diz que é "comportamento extremo, mas também muito bom cinema".
O último filme de Phoenix foi Two Lovers, em 2008, com Gwyneth Paltrow. Com Walk the Line tinha ganho um Grammy. No talk show de Letterman, o anúncio titubeante de que ia reinventar a sua carreira foi recebido com os habituais risos estridentes das audiências televisivas americanas. "É uma piada?", perguntava. "Com que é que os gaseias?" Em 2010, garantia: "Isto não é uma piada. Poderei ser ridículo? Poderá a minha carreira na música ser algo risível? Sim, é possível, mas não é seguramente a minha intenção." A cortina de fumo adensava-se. De permeio, a sua co-protagonista em Two Lovers dizia que o momento Letterman "foi como uma performance, foi tão brilhante" - "Não sei o que ele está a fazer. Talvez seja uma grande peça de arte performativa."
Tudo indica que sim. E já foi útil à cultura popular. No YouTube, vários vídeos satirizam a postura actual de Phoenix. Nos Óscares, em 2009, Ben Stiller imitou-o. E o fantasma de Andy Kaufman volta sempre para o assombrar. Kaufman, que participou mais de uma dezena de vezes no talk show de Letterman, deixando-o desarmado em algumas situações no início dos anos 1980, criou o seu estilo, frisa João Quadros. "Criou outra personagem, era o seu humor que nunca se tinha visto, mesmo a forma de abordar o público era Andy Kaufman."
A ele juntamos, como sugere João Quadros, Sacha Baron Cohen e as suas personagens que leva ao limite junto de público mais ou menos incauto. E que cultura é mais satirizável do que a de Hollywood? O star system estava a pedi-las, poderão pensar Phoenix e o seu cunhado também actor. Os risos do público no talk show, a histeria de telemóveis a filmar a sua desgraça para o YouTube, a impreparação para qualquer declaração ou postura que saia do guião, convencional e lustroso.
Mas "é tudo um bocado contraditório", ajuíza João Quadros. "Se a intenção e objectivo final deste trabalho é essa crítica, não me parece muito original e no fundo este ano em que nos engana a todos parece uma manobra publicitária. Soa um pouco a falso." No fundo, porque Phoenix não tem "um passado para fazer isto", seja em termos de humor, como indica Quadros, seja em termos de "vida fora do sistema, como o Andy Kaufman".
Daqui a poucos dias, saber-se-á se este é o retrato improvável de um artista numa encruzilhada ou a mais pública das private jokes sobre Hollywood.