Dadores e receptores de rins vão poder trocar órgãos em caso de incompatibilidade
Portaria foi ontem publicada em Diário da República. Selecção de pares para o cruzamento vai ser feita por um Comité de Peritos que se reunirá duas vezes por ano
Fazer transplantes renais graças à doação cruzada de órgãos vai passar a ser possível em Portugal, à semelhança do que já acontece noutros países, como Espanha. O programa que organiza a doação cruzada em vida, em que vários pares trocam órgãos não compatíveis, foi criado através de portaria ontem publicada no Diário da República.
O que actualmente acontece é que, na dádiva em vida, o doente que precisa de um órgão pode não encontrar um dador adequado entre as pessoas suas conhecidas ou familiares por haver incompatibilidade no grupo sanguíneo ou devido ao desenvolvimento de anticorpos, entre outros problemas. A vantagem do novo programa é a de permitir cruzar pares de dadores e receptores em qualquer ponto do país, que podem assim fazer trocas, ultrapassando as limitações decorrentes das incompatibilidades.
A doação renal cruzada oferece aos doentes a possibilidade de transplante "mediante troca de rins entre dois ou mais pares dador-receptor, de maneira a que cada um dos receptores receba um rim adequado e os dadores realizem o seu desejo de doação", explica a portaria assinada pelo secretário de Estado adjunto e da Saúde, Manuel Pizarro. "Isto só poderia ser organizado dentro do sistema de saúde", sublinhou ao PÚBLICO Manuel Pizarro.
O Programa Nacional de Doação Renal Cruzada prevê a criação de uma rede nacional de hospitais que inclui as unidades com centros de transplante renal com actividade de transplantação de dador vivo de rim há pelo menos dois anos. Os estudos serão feitos pelos centros de histocompatibilidades (que devem manter uma seroteca de todos os possíveis receptores inscritos no programa de colheita com uma intervalo nunca superior a quatro meses) e a selecção de pares para o cruzamento fica a cargo de um comité de peritos que se reunirá duas vezes por ano, adianta Manuel Pizarro.
A coordenadora nacional das unidades de colheita de órgãos, Maria João Aguiar, louva a criação deste programa - é "um grande passo no sentido da qualidade e da humanização" -, mas aproveita para lamentar o atraso na execução do programa de colheita em coração parado. Este seria, defendeu em declarações à agência Lusa, um passo "muito mais importante", um "passo de gigante" para reduzir as listas de espera para transplante. Mas para isto avançar é necessário que "a Ordem dos Médicos consiga chegar a um acordo na declaração de morte por paragem cardíaca irreversível em tempo que permita às equipas de transplante utilizar esses órgãos, como já se utilizam em toda a Europa", notou.
Portugal é o segundo país do mundo em número de transplantes per capita (a seguir a Espanha). No ano passado, fizeram-se 595 transplantes de rins, mais 12,9 por cento do que no ano anterior. E a lista de espera por um transplante renal diminuiu em 2009 pelo segundo ano consecutivo, apesar de ainda ser significativa (2111 doentes).