Freeport: pagamentos dos empreiteiros à Smith&Pedro não explicados
A corrida contra o tempo imposta pela fixação do dia 15 de Junho para a conclusão do relatório da Polícia Judiciária (PJ) e do dia 25 de Julho para o termo do inquérito ao licenciamento do Freeport impediu o esclarecimento da razão pela qual a Edifer e a Somague pagaram 1,4 milhões de euros à Smith &Pedro (S&P), a pequena firma de consultoria dos arguidos Charles Smith e Manuel Pedro.
As dúvidas sobre as transferências das empresas para a S&P foram destacadas nos últimos parágrafos do relatório final da PJ, que os autores submeteram à consideração dos procuradores Vítor Magalhães e Paes de Faria, "a fim de que seja ordenado o que houver por mais conveniente". Os investigadores da PJ não propuseram nenhuma diligência concreta, mas deixaram implícito que ainda havia coisas importantes a esclarecer - independentemente das inquirições de Sócrates e Silva Pereira propostas pelos procuradores (que não obtiveram resposta escrita de Cândida Almeida) e do cumprimento de quatro cartas rogatórias, nomeadamente para ouvir Sean Collidge, do Freeport, e que ainda estavam pendentes.
Falta suporte em facturasNo que respeita aos pagamentos da Edifer e da Somague à S&P, a PJ tinha em curso diligências quando teve de terminar o seu trabalho. Até aí, depreende-se dos autos que nada tivesse sido perguntado, pelo menos formalmente, àquelas empresas, que formavam o consórcio a quem a Freeport adjudicou, em Março de 2003, a construção do outlet por 99,6 milhões.
Contudo, no fim de Maio, a PJ contactou um antigo administrador da Edifer, Clovis Martines, que esteve envolvido no projecto e foi ouvido como testemunha em 9 de Junho. Para o fazer, a coordenadora da PJ de Setúbal, Maria Alice Fernandes, teve de o requerer, sendo o interrogatório autorizado pelos procuradores - pressionados eles também pela imposição do dia 25 de Julho para acabarem o seu despacho final - na condição de a diligência não prejudicar a entrega do relatório da PJ a 15 de Junho.
De acordo com as perícias efectuadas, o consórcio nada pagou à S&P, mas a Edifer pagou-lhe à volta de 758 mil euros e a Somague perto de 687 mil, alegadamente resultantes de um contrato de consultoria, sendo que apenas cerca de metade desse valor está suportado em facturas.
Dias depois da inquirição de Clovis Martines, Maria Alice propôs, por escrito, a 14 de Junho, que fossem solicitados a Edifer e à Somague todos os contratos outorgados com a S&P em 2003, bem como todos os estudos, análise e relatórios que reflectissem os serviços por ela prestados. Esta proposta nunca chegou a ser despachada, já que, no dia seguinte, os procuradores - que, segundo notícias recentes, teriam perdido a confiança em Maria Alice por suspeitarem de que ela manteria contactos confidenciais com um assessor de Sócrates - entraram em guerra aberta com a PJ por causa do atraso na entrega do seu relatório final (ver outro texto).
Cumprindo o prometido, Martines entregou à PJ, já em 6 de Julho, uma cópia do contrato da Edifer (uma das maiores construtoras do país) com a S&P, de Agosto de 2003, que previa o pagamento à consultora - o "único a efectuar" -, de um total de 600 mil euros para a "auxiliar e aconselhar em todas as transacções com os clientes" e na "avaliação dos litígios contratuais" com eles. O documento estava redigido em inglês e a sua tradução só entrou nos autos em 24 de Julho, no dia seguinte àquele em que os dois procuradores subscreveram o seu despacho final. O PÚBLICO tentou ontem saber se a Somague também firmou algum contrato com a S&P, mas a empresa não respondeu.