Museus e colecções sem rede
A acção e as consequências da acção pública governamental nunca pareceram tão aleatórias
O mês de Julho de 2010 fica marcado pelas demissão e nomeação do novo director-geral das Artes e ainda pela abertura ao público do Museu de Foz Côa. Estes episódios têm em comum o facto de terem ocorrido para além da vontade da tutela da Cultura: ambos os acontecimentos fugiram ao seu controlo e em ambos aquela teve que alinhavar uma solução e um discurso. A acção e as consequências da acção pública governamental nunca pareceram tão aleatórias.
Mas se a abertura do museu dedicado às gravuras é uma boa notícia, outras há a assinalar também, que merecem um destaque muito positivo. Refiro-me à escolha de três novos directores para a Rede do IMC: Helena Barranha para o Museu do Chiado, António Filipe Pimentel para o Museu Nacional de Arte Antiga e António Camões Gouveia para o Museu de Évora. Trata-se de uma renovação extraordinária e que pode ajudar a requalificar a própria rede, para além obviamente dos equipamentos que estes especialistas hoje dirigem.
Contudo, este é também um tempo de decisões políticas desgarradas e incompreensíveis, que revelam uma total falta de estratégia para o sector dos museus e das colecções públicas.
Um projecto mais ou menos mobilizador, embora polémico, como o novo Museu dos Coches, não é liderado pelo Ministério da Cultura e têm sido a Economia e o Turismo a controlar o processo. Já o projecto do novo Museu do Chiado, entregue à liderança da Cultura, não consegue ultrapassar um destino sempre adiado. Ao mesmo tempo, a actual ministra da Cultura anunciou que o Museu da Música será transferido para o Convento de São Bento de Castris, na Malagueira, em Évora. Qual o programa deste novo museu? Instrumentos musicais e iconografia? E os fonogramas, deslocados para Évora? Qual o projecto de intervenção arquitectónica, custo da intervenção, calendário, orçamentos de transferência e de exploração? Qual a participação da cidade e da universidade? Qual o sentido estratégico desta decisão?
Por que motivo Lisboa tem dois museus dedicados ao traje e à moda: o celebrado Mude, da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa, com a colecção Capelo, a funcionar com sucesso internacional, e o belíssimo mas esquecido museu no Lumiar, tutelado e abandonado pelo Ministério da Cultura, sem condições mínimas de funcionamento? De resto, já se perdeu a conta às sucessivas inundações e salas que vão fechando, umas atrás das outras.
Por que motivo se insiste na decisão política de transferir o Museu Nacional de Arqueologia para a Cordoaria? Então faz-se tábua rasa do valor patrimonial deste edifício? Ou será que as sucessivas tutelas da Cultura se limitaram a acatar uma decisão política liderada pela Defesa?
Por que razão o Estado estabeleceu um montante para aquisições com o Museu Berardo, enquanto o Museu do Chiado não tem qualquer verba para aquisições em 2010? Por que razão o Museu de Serralves tem uma verba para aquisições superior aos 28 museus e quatro palácios da rede do IMC? E a colecção de arte do antigo IAC? Vai continuar? Ou vai dissolver-se pelas colecções de Serralves e do Chiado? E a própria colecção do Ministério da Cultura? E a das Finanças? E a colecção de fotografia do Ministério da Economia? E a colecção de fotografia, iniciada por Jorge Calado e continuada por Teresa Siza, que se encontra no Centro Português de Fotografia, no Porto? Que estratégia para o Estado coleccionador? Que estratégia concertada para a Galeria D. Luís no Palácio Nacional da Ajuda ou para o Pavilhão de Portugal?
Reconheço que os especialistas e técnicos devem ter muita dificuldade em lidar com uma apressada agenda política que vê no Museu, em geral, a oportunidade última de deixar marca. Resolvida a rede de bibliotecas e com a rede de teatros nas mãos das autarquias, o Museu parece ser o instrumento à disposição de delirantes e sucessivas estratégias pessoais.
O evidente estrangulamento financeiro do Ministério da Cultura é a justificação política perfeita para se reflectir o sentido estratégico dos museus e das colecções no território. Não se exige menos. Doutorando em Ciências Políticas, FCSH/Universidade Nova de Lisboa; membro fundador do Observatório Político, FCSH/UNL