Guida Maria: O que sei sobre os homens
Eles não aprendem, o script é sempre o mesmo, os actores é que mudam. São sempre as mesmas histórias: são muito infelizes, tiveram um casamento que não deu certo, ela queria ser independente, os filhos dão problemas, a mãe não sei o quê. Também gostam muito de falar das ex-mulheres, é sempre culpa delas. Qualquer problema os afecta, sexualmente inclusive. Desisti de os educar. Mentem com quantos dentes têm na boca e não percebem que somos mais inteligentes: ainda não disseram nada e já sabemos. Têm o síndrome do bombeiro, têm sempre que ir apagar um fogo, vejo-os sempre com o capacete e a machadinha. Sentem-se importantes porque têm a mangueira.
Adoro os homens. Acho que são óptimos. Como amigos, são muito disponíveis. Quando são nossos maridos, ou amantes, ou companheiros, são muito disponíveis para as outras, portanto também são para nós de vez em quando. Tenho muito mais amigos homens do que mulheres, dou-me muito bem com eles quando não há nada entre nós nem nunca houve. Porque àqueles com quem houve nunca mais lhes falo.
Há coisas que comigo não funcionam, a esse nível não sou nada moderna. Aviso-os quando entram: você quando está comigo, está comigo: fala comigo, pergunta-me se eu preciso de alguma coisa, resolvemos os problemas juntos. Quando se quiser ir embora, também é a mim que me diz, escusa de me mandar recados e mentiras. Se se portar mal, nunca mais me dirige a palavra. Não perco tempo com pessoas que não se portam como pessoas.
Há duas coisas muito más na vida: uma má queca e um mau actor. Um mau actor dá cabo de um texto. Uma má queca é uma chatice, é horrível, é penoso.
A próxima peça que vou fazer chama-se Sexo? Sim, mas com orgasmo e é da Franca Rame, a mulher do Dario Fo. Não é o que todos ambicionamos? É um espectáculo baseado no amor total, o amor do coração mas também o amor físico, que é muito importante. Ela diz na introdução que talvez a única salvação da espécie humana seja o amor, está sempre a bater nessa tónica. E eu estou de acordo: não há queca mais bonita que uma queca com amor.
Quando era nova, atraía-me um homem alto, giro, de olhos azuis. Com o passar dos anos, para um homem me dizer qualquer coisa tem de me interessar pela inteligência. O prazer sexual é muito mais calmo, já não é uma coisa tipo cirque du soleil. Estou a falar de homens da minha idade, porque nunca tive tendência para gajos novos. Não há nada como começar com uma boa conversa, tentar descobrir o intelecto do bicho. Sei perfeitamente a idade que tenho, estou óptima, tenho saúde, mas tenho 60 anos.
Apaixonei-me, não muitas vezes, e sempre pelo homem errado. Eu sou uma mulher muito contínua, pensava em ter muitos filhos e ser muito feliz. Lá para os 40, pensei "ainda não estou tão mal, há-de haver um gajo minimamente inteligente, cansado de mentir, que há-de ser o sapato para o meu pé", e enganei-me redondamente.
Por um lado, tenho pena que tenha sido assim. Por outro lado, apesar de isso me ter trazido algumas angústias e lágrimas, acho que tenho uma experiência de vida que me permite dizer estas coisas a rir à gargalhada. Não sou uma mulher infeliz porque não tenho homem, nem nunca fui.
À medida que as coisas na minha vida sentimental foram desabando - e não digo que não foi por culpa minha porque a culpa não é só de um - fui encarando os desaires com mais à vontade. É a alegria dos pobres: não tive o bolo, fiquei só com a cereja.
Enquanto as coisas existem e nós estamos à vontade nelas e felizes, é de lutar por elas. Quando começam a descarrilar, começo a acordar mal disposta, com mau feitio, aquela coisa a respirar para cima de mim começa a fazer-me impressão, vamos lá falar. A gente fala uma, duas, três vezes e aquilo permanece. Chegou a altura de nos separarmos. Se eles fazem merda, aí não há explicações, é logo porta fora.
É talvez uma forma de sobrevivência da minha parte. Acredito que foi uma fórmula que eu arranjei, no meu subconsciente. Eu não tinha muitos caminhos. Aos 19 anos estava divorciada e com dois filhos, era actriz, não tinha dinheiro nem apoio da família, as pessoas do meio onde vivia cuspiam-me em cima. Isto comigo nunca foi muito fácil. Um dia devo ter pensado: não tens grandes oportunidades, ou começas nas drogas e vais para puta para teres um gajo que te sustente a ti e aos teus filhos, ou então invertes o sistema, assumes isto tudo. Não foi fácil, mas foi o caminho que eu escolhi.
A partir de uma conversa com a actriz
Crónica publicada na edição da revista Pública de 8.08.2010