Fungo é sentença de morte para morcegos na América do Norte
Primeiro foram os anfíbios, depois o diabo da Tasmânia, agora é a vez dos morcegos da América do Norte serem dizimados por uma doença. Um estudo publicado na revista científica Science mostra que a população regional de Myotis lucifugus pode desaparecer em 16 anos devido a um fungo que infecta estes mamíferos.
A epidemia começou no estado de Nova Iorque. A primeira gruta identificada com a doença foi em Albany, em Fevereiro de 2006. Em quatro anos o fungo já alcançou 114 esconderijos e percorreu 1200 quilómetros atingindo regiões desde o Canadá até o Missuri. A mortalidade em cada abrigo de morcegos varia entre os 30 e os 99 por cento. O artigo avança que a média de mortes a nível regional é de 73 por cento.
“Esta é uma das piores crises na vida selvagem que enfrentamos na América do Norte”, disse Winifred Frick, do Centro para a Ecologia e Conservação Biológica da Universidade de Boston, e a primeira autora do artigo.
As fotografias mostram centenas de cadáveres de morcegos empilhados no chão das grutas. A doença tem o nome de white-nose syndrome (síndrome do nariz branco) porque aparece uma mancha branca nas regiões afectadas pelo fungo. O agente patogénico, Geomyces destructans, foi descoberto há pouco tempo, gosta de ambientes frios e ataca as partes expostas dos morcegos como o nariz, as orelhas e as membranas das asas.
A doença aparece durante a hibernação, tornando os morcegos irrequietos e com comportamentos bizarros. Os animais acordam várias vezes, gastando as reservas de gordura que têm para hibernar, o que os impede de sobreviver durante o Inverno.
O fungo afectou mais espécies desta ordem de mamíferos, mas o estudo só analisou o Myotis lucifugus. A equipa avaliou a variação populacional desta espécie nos últimos 30 anos e fizeram várias projecções sobre o seu futuro.
O M. lucifugus existe do México ao Alasca. A nível regional a população é de 6,5 milhões de indivíduos. Segundo a projecção da equipa, há 99 por cento de probabilidade de acontecer uma extinção regional nos próximos 16 anos. Mesmo que a mortalidade da doença abrande, em menos de 20 anos a população ficará reduzida a 65 mil indivíduos.
“Cada espécie de morcego afectado pela síndrome é um insectívoro obrigatório – muitos deles alimentam-se de espécies que são pestes para a agricultura, jardins, florestas, e que algumas vezes incomodam e são um risco para a saúde humana”, explicou Thomas Kunz, último autor do artigo, também da Universidade de Boston. “O myotis castanho [pesa entre as cinco e 14 gramas, atinge os dez centímetros de comprimento] é conhecido por consumir em cada noite cem por cento do seu peso em insectos. Este nível de consumo proporciona um importante serviço do ecossistema à humanidade, que reduz a utilização de pesticidas para matar os insectos”.
Morcego, fungos e raiva
Apesar do fungo aparecer durante a hibernação dos morcegos pensa-se que haja um contágio cá fora, entre os indivíduos. Segundo os autores, o agente poderá ser proveniente da Europa através do comércio ou viagens.
Existem “provas recentes que o G. destructans foi observado em pelo menos uma espécie europeia de morcegos que hibernam”, diz o artigo. Acrescentando que a “poluição patogénica” – quando espécies invasoras e causadoras de doenças são espalhados devido à actividade humana – “coloca em perigo a biodiversidade e a integridade do ecossistema”.
Na mesma revista, um artigo de opinião de Peter Daszak, presidente da Wildilfe Trust, uma organização internacional de cientistas dedicada à preservação da biodiversidade, elogia o trabalho da equipa. Segundo o cientista, a rapidez com que identificaram a doença foi enorme quando se compara com as duas décadas que foram necessárias para identificar o fungo que está a dizimar os anfíbios.
Daszak insiste na defesa destas espécies. Não só devido à sua importância no ecossistema, mas porque são um bom modelo para o estudo e compreensão da transmissão de epidemias entre espécies. A opinião do cientista deve-se a outro estudo científico sobre morcegos publicado na mesma revista.
Uma equipa liderada por Daniel Streicker, da Escola de Ecologia da Universidade da Georgia, analisou a forma como a raiva é transmitida entre 23 espécies de morcegos norte-americanos. A doença, causada por um vírus, também afecta os humanos na maior parte dos continentes.
Segundo o estudo, a probabilidade da passagem do vírus da raiva é maior quanto mais próximo duas espécies são a nível evolutivo. A capacidade de adaptação do vírus é secundária.
O artigo diz que um morcego infectado com raiva passa a doença entre 0 a 2 morcegos de outra espécie, consoante o grau de proximidade. Em média, a probabilidade de transmissão para outra espécie é de uma em 73 transmissões entre indivíduos da mesma espécie.
“A descoberta da equipa de Streicker pode definir melhor a vigilância de espécies que provavelmente serão as hospedeiras de novas doenças emergentes que afectam as pessoas”, conclui Peter Daszak.