Torne-se perito

Os jovens da Lourinhã desapareceram, "simplesmente"

Foto
A bizarra casa do suspeito é agora uma espécie de ícone da localidade FOTOS MIGUEL MANSO

Durante dois anos, duas pessoas estiveram desaparecidas. Foi preciso uma terceira para os casos serem ligados e investigados

Primeiro vieram as câmaras de televisão, agora são os curiosos que procuram a casa acastelada de Francisco Leitão, o presumível homicida de três pessoas na zona da Lourinhã, em Torres Vedras. A aldeia da Carqueja não aparecia no mapa mas, no espaço de dias, tornou-se no lugar mais procurado da região e o "castelo" do suspeito num ícone improvável. "Passou a ser a terra mais conhecida da zona!", exclama uma moradora, enquanto dá indicações a mais um visitante.

Doze casas, algumas abandonadas, perfilam-se ao longo de uma rua estreita e, praticamente a meio do lugar, ergue-se a casa de Francisco Leitão, o homem que se intitulava "Rei Ghob, o Rei dos Gnomos", mas que também era conhecido na zona como "Chico da Sucata", por causa do negócio que herdou do pai. É este homem que a polícia acredita ser o responsável pelo assassínio de Joana Correia, Ivo Delgado e Tânia Ramos. Foi a partir do último desaparecimento, de Joana Correia, em Março deste ano, que a investigação policial começou, mas a história dos desaparecimentos na Lourinhã remonta a 2008.

Durante dois anos, duas pessoas estiveram desaparecidas sem que se soubesse ao certo o seu paradeiro. Agora, a polícia acredita que tenham sido assassinadas. Primeiro foi Tânia Ramos, de 27 anos, que desapareceu em Junho de 2008. Depois, no final do mesmo mês, Ivo Delgado, de 22. Ivo trabalhava com Francisco Leitão e, ao que tudo indica, teriam uma relação amorosa que terminou quando Ivo começou a namorar com Tânia. Os dois jovens desapareceram, mas apenas no caso de Tânia é que foi apresentada uma participação na GNR. Porém, apesar da diligência, o caso não foi esclarecido.

Na serra do Calvo, lugar onde Ivo Delgado vivia com os pais, situado a poucos quilómetros da Carqueja, o desaparecimento do jovem surpreendeu as pessoas mais próximas da família, que nunca suspeitaram, no entanto, o que podia estar a acontecer. A 25 de Julho de 2008 "simplesmente desapareceu". "Fomos surpreendidos e ficámos preocupados, mas por outro lado os pais foram recebendo mensagens do telemóvel dele em que dizia estar bem, em Espanha, e por isso nunca pensámos que lhe podia ter acontecido alguma coisa", diz um vizinho e amigo próximo de Ivo, que prefere não revelar a identidade, com receio de que o principal suspeito dos homicídios, hoje em prisão preventiva num estabelecimento de Lisboa, possa ser ilibado e regresse ali à zona da Lourinhã, "onde quase todos se conhecem".

Ninguém estranhou

As mensagens enviadas por Francisco Leitão do telemóvel de Ivo Delgado convenceram a família deste, que acreditava que o filho teria fugido inicialmente para Espanha e depois para França. De acordo com a família de Ivo, Francisco Leitão terá mesmo convencido os pais do jovem a viajar com ele até Espanha para o visitarem. "Era uma pessoa próxima do Ivo e portanto ninguém na altura estranhou o que se estava a passar. Ao olhar para trás, com tudo o que sabemos hoje, é normal acharmos que algo ali não batia certo", diz João.

As mensagens enviadas dos telemóveis das vítimas tinham por objectivo convencer as famílias de que os desaparecidos se encontravam bem e evitar uma investigação policial que analisasse, em conjunto, os casos de desaparecimento.

Durante dois anos o objectivo foi alcançado: a primeira queixa apresentada pela família de Tânia Ramos, em 2008, não produziu nenhum resultado relevante; já o desaparecimento de Ivo Delgado no mesmo mês não motivou qualquer participação da família; só em 2010, após o desaparecimento de Joana Correia, de 16 anos, o assunto chegou à Unidade Nacional Contra Terrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária, que ligou os três casos e chegou até Francisco Leitão.

Na região de Torres Vedras, é comum GNR e PSP receberem várias participações relacionadas com o desaparecimento de adolescentes ou de jovens adultos. A maior parte destes desaparecimentos duram dois ou três dias, outros prolongam-se no tempo e estão ainda por resolver. Alguns destes casos estão agora a ser revistos a pente fino pelas autoridades para despistar qualquer relação com os homicídios de que Francisco Leitão é suspeito.

O perfil dos jovens de que o provável homicida se fazia rodear, e que o acompanhavam frequentemente, coincidia no que diz respeito ao ambiente familiar desestruturado. Os jovens frequentavam a casa de Francisco Leitão e eram muitas vezes vistos juntos na zona de Torres Vedras, na companhia do presumível homicida. E também estão presentes em alguns dos vídeos de rituais que Francisco Leitão colocou no YouTube.

Alunos desaparecem

No caso de Joana Correia, o director da Escola EB 2+3 Padre Vítor Milícias, em Torres Vedras, onde a adolescente estudava, diz que se tratava de uma aluna "rebelde" mas idêntica a tantas outras que existem na escola (ver caixa). "Pensámos que a Joana tivesse fugido de casa, como já tinha acontecido com outros alunos. A verdade é que são situações que vão acontecendo e já tivemos várias do mesmo género: os alunos simplesmente desaparecem durante alguns dias", diz o director da escola, Fernando do Couto Ferreira.

Ao contrário do que sucedeu nos outros dois casos, as mensagens enviadas por Francisco Leitão do telemóvel da vítima não convenceram os pais desta, que estranharam os inúmeros erros ortográficos. Acabariam por participar o desaparecimento da adolescente no dia 7 de Março, quatro dias depois de Joana ter sido vista pela última vez. Francisco Leitão seria interrogado pela primeira vez pela PJ dois dias depois, tornando-se, logo no início das diligências, no principal suspeito das investigações.

Depois de ter vasculhados todos os cantos do "castelo da sucata" do suspeito, a polícia voltou-se também para os montes da Lourinhã, onde procura encontrar os corpos das vítimas.

Sugerir correcção