Ler era um prazer
Há qualquer coisa de simbólico e triste neste encerramento temporário da Biblioteca Nacional de Portugal
A notícia do encerramento da Biblioteca Nacional de Portugal, durante nove meses e meio, já a partir de Novembro, provoca no cidadão um sentimento de tédio pela estranheza de mais uma notícia absurda mas também pela arrogância que o facto em si revela.
O Ministério da Cultura não é um fim em si mesmo: com os seus serviços, direcções-gerais, institutos e demais organizações (num total de 28), existe para assegurar determinados bens e serviços ao país, às diversas comunidades e ao cidadão em geral. Estamos longe, dir-se-ia, de um Estado que se autojustifica perante uma população veneranda, agradecida e obrigada. A competência e a razão da existência da máquina do Estado medem-se pela oportunidade e qualidade dos serviços que presta.
É, portanto, com enorme tédio que se constata a absoluta arrogância com que o Ministério da Cultura resolve anunciar, no Verão que, daqui a meses, a Biblioteca Nacional vai encerrar sem um plano de contingência.
Imagine-se que o Ministério da Saúde anunciava que, durante um ano, o Hospital de Santa Maria estaria encerrado para obras e, ligeiro, respondia a quem o questionasse que há muitos hospitais pelo país que cubram as especialidades em causa. E que esta seria uma oportunidade fantástica para conhecer outras realidades e outros equipamentos. Não se questiona a urgência e importância das obras em curso. Mas não é possível, em pleno 2010, suspender, adiar e ignorar desta forma a actividade de todos aqueles que utilizam a Biblioteca Nacional. Não é aceitável que não exista um plano de contingência que assegure o funcionamento deste equipamento, ainda que em situação provisória, por muito complexa e até onerosa que seja uma operação dessa natureza.
O Estado democrático garante um escrutínio constante das decisões dos seus governantes, quer das boas e acertadas, quer das más e desajustadas. Ora a responsabilidade desta decisão é do Ministério da Cultura e da sua titular. Espera-se que, apressada, não venha agora a público anunciar a culpa de mais um director-geral e lavar as mãos. Haja bom senso e capacidade de resposta política e técnica a um problema real que merece toda, mas toda a atenção do Governo.
Há qualquer coisa de simbólico e triste neste encerramento temporário da Biblioteca Nacional de Portugal. Como acontece também com o Palácio Nacional da Ajuda, ardido e inacabado. Mas as imagens têm destas coisas: a sua força excessiva revela bem uma certa decadência e ligeireza que nos atinge. No limite, podemos sempre fazer como no Farenheit 451: ler e decorar. E esperar que a biblioteca reabra. Doutorando em Ciências Políticas/ FCSH/Universidade Nova de Lisboa