Museu do Côa abre e fundação gere património

Foto
O museu cruza a arte paleolítica com outras formas de expressão. Nuno Oliveira

O museu está pronto, a expectativa é muita, mas as dúvidas também. E nem a decisão de ontem do Conselho de Ministros de constituir a Côa Parque - Fundação para a Salvaguarda e Valorização do Vale do Côa, entidade que ficará encarregada de "gerir e coordenar" o novo museu, situado em Vila Nova de Foz Côa, e o Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC), parece resolver todas as dúvidas em volta do projecto.

Caberá à fundação "promover a salvaguarda, conservação, investigação, divulgação e musealização da arte rupestre e demais património arqueológico, paisagístico e cultural". À saída do Conselho de Ministros, Gabriela Canavilhas classificou a nova fundação como "uma estrutura autónoma" que visa "congregar as estratégias" para o desenvolvimento sustentado da região do Douro.

Mas não é claro, por exemplo, se o parque arqueológico, com os seus cerca de 20 mil hectares, terá um enquadramento institucional como área protegida a partir desta fundação. E não se sabe quais são as entidades que vão integrar a fundação e de que meios vai ela dispor para gerir o património - durante a tarde de ontem, não nos foi possível esclarecer estas e outras dúvidas junto do Ministério da Cultura, cujos responsáveis estavam já a caminho do vale do Côa. Também a directora do PAVC, Alexandra Cerveira Lima, que passou o dia na preparação da inauguração do museu, não detinha ainda informação actualizada sobre o assunto.

Para já, o museu abre sob tutela do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) e gerido pela equipa de Alexandra Cerveira Lima, cuja comissão de serviço termina em Setembro.

Seria preferível ter esperado até haver uma maior definição? Ou era insustentável continuar a adiar uma inauguração anunciada há mais de um ano?

"Ainda não conheço o modelo, mas vejo com bons olhos a criação de uma fundação que congregue o parque e o museu", disse ontem o chefe da equipa de investigadores do parque, António Martinho Baptista.

"Houve um primeiro momento, em 1995, que foi o da polémica, depois o da investigação mais aprofundada - identificámos 950 rochas com arte rupestre, descodificámos o pensamento paleolítico através desta arte. E depois há a construção do museu, que é o culminar de um processo de apresentação, explicação e até de justificação por não se ter feito a barragem", dizia-nos o arqueólogo há duas semanas, quando visitámos o novo museu e o parque.

A história de Dalila Correia é exemplar. Andava no 12º ano, em Foz Côa, quando rompeu a polémica. "Andei a gritar "as gravuras não sabem nadar"", recorda. Depois fez o curso de guia de arte rupestre, o curso de Arqueologia no Porto e é hoje uma das arqueólogas do parque.

Mas nem todos em Vila Nova de Foz Côa são tão entusiásticos. A população esperou que primeiro a barragem e depois, em lugar desta, o parque trouxessem o tão desejado desenvolvimento - visitantes, turistas, dinheiro, auto-estradas, o fim do isolamento -, e agora ninguém quer deitar foguetes antes da festa. No restaurante Dallas, Filomena, a proprietária, admite que talvez seja desta, com o museu, que aumentem os visitantes, mas confessa que ela própria nunca foi ver as gravuras paleolíticas. A cabeça branca de D. Ilda, a cozinheira, espreita pela porta. Ela sim, foi ver as gravuras, "logo no início", mas foi a pé, de saltos altos e "nunca mais lá chegava". E quando chegou não viu "nadinha".

De facto, não é fácil ver as gravuras sem ajuda. Por isso é que o parque faz visitas com jipes e guias - oito pessoas por cada jipe, uma visita de duas horas ou mais, com explicações que contextualizam o que se vê. Este modelo, que, sublinha Dalila Correia, permite a preservação das gravuras, do ambiente e oferece uma visita personalizada, significa, por outro lado, que o número de visitantes tem rondado os vinte mil por ano. Abaixo das expectativas de muitos em Vila Nova, mas não exactamente dos arqueólogos.

"Porque é que me pergunta pelos visitantes?", reage António Martinho Baptista. "Porque é que não me pergunta se isto foi bem conservado? Nós estamos no fim do mundo, não temos uma auto-estrada e o aeroporto mais próximo está a 100 quilómetros. Poucos visitantes? Eu acho que temos muitos." Mas lembra que, se houve 20 mil a visitar as gravuras, "se calhar houve mais 20 mil que não puderam visitar, porque o parque não tinha guias suficientes".

O número de visitantes poderia subir para os 50 mil por ano ou até mais, se se abrissem novos núcleos de gravuras, admitia a directora do parque, quando há duas semanas respondeu ao PÚBLICO por email. A procura é muito sazonal, mas "nos picos a resposta tem sido sempre insuficiente", explicava Alexandra Cerveira Lima.

Falta de estratégia

A preservação das gravuras tem sido a prioridade. Agora, com a abertura do museu, haverá certamente mais visitantes. Está a região preparada?

"Condições ideais ainda faltarão algumas", admite Gustavo Duarte, presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa. "Por um lado, acredito que o ideal era esperar mais algum tempo, mas, por outro, acho que não devíamos perder este Verão." A abertura do museu poderá "levar a que os investimentos que não se fizeram até agora possam ser uma realidade". Mas há várias incógnitas. Por exemplo, a prometida reabertura da Linha do Douro entre o Pocinho e Barca de Alva, que daria acesso por comboio ao museu, "não [há] resposta nenhuma", lamenta. Ontem, em declarações à Lusa, o autarca disse estar surpreendido com a criação da fundação, afirmando que teria preferido uma sociedade anónima, em que a câmara participasse.

A Associação de Amigos do Côa (Acôa), criada em Março, também recebe a notícia da fundação com alguma surpresa, diz Mafalda de Almeida, da direcção do grupo. "Tudo depende do modelo de funcionamento e de quem a vai gerir."

João Cabral, também da direcção da Acôa, que esteve ligado ao plano de ordenamento do parque através da Universidade de Aveiro, lembra que não há ainda um quadro institucional de protecção e gestão do Côa como parque arquelógico de acordo com a lei: "O Parque Arqueológico nunca foi criado. Se fosse, significaria um envolvimento maior da administração central, porque implicaria a preservação de todo o contexto da área das gravuras. O museu e o parque só fazem sentido com aquela área protegida."

António Martinho Baptista deixou um alerta na visita que fizemos ao local: "O Museu do Côa devia ser um museu nacional. Se queremos que sirva de pólo dinamizador da região, temos que começar por aí. E apostar a sério nele. O Governo apostou no Côa no início e tem que continuar. Não podemos ser largados aos bichos agora. O museu tem que ser inaugurado e convenientemente dotado e orientado."

Com Sérgio C. Andrade e Nuno Sá Lourenço
Sugerir correcção
Comentar