Torne-se perito

Um sonho chamado Grizzly Bear aterrou nas areias do Meco

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Os veteranos Pet Shop Boys encerraram o espectáculo Miguel Manso

Festival arrancou sexta-feira com os Pet Shop Boys como cabeças de cartaz, mas foram a soul de Mayer Hawthorne e as canções dos Grizzly Bear que deslumbraram. Hoje, a noite é de Prince

Esta noite, pelas 23h45, subirá a palco o maior destaque do Super Bock Super Rock transplantado este ano para o Meco. Prince, naturalmente. O pequeno grande génio de Mineápolis tem previsto um concerto de uma hora e meia que, a julgar pelos últimos, será um desfile de clássicos, como Kiss, 1999 ou Purple rain. Ainda assim, prevê-se que haja espaço para um par de versões (Creep, dos Radiohead, e Come together, dos Beatles, foram ouvidas no festival de Coachella) e para visitas ao próximo álbum, 20T. Uma das novas canções, Walk in sand, dedicada a Portugal, será interpretada com Ana Moura, fadista que tem em Prince um dos seus mais célebres fãs.

Sexta-feira, quando o nome que todos parecem sussurrar estava ainda a dois dias de distância, Mayer Hawthorne e Jamie Lidell ofereceram pedaços de história viva a um festival que começava ainda a preencher-se de gente. Depois, noite dentro, os Grizzly Bear aterraram no palco secundário para dar o melhor concerto do primeiro dia de Super Bock Super Rock, e os veteranos Pet Shop Boys encerraram a noite com um eficiente espectáculo de encenação pop.

No primeiro dia do mais mutante festival português, o público vagueou à tarde pelos campos para encontrar um lugar aceitável para a tenda, e deslocou-se em passo acelerado entre palcos quando a noite chegou. Duas raparigas equilibravam as cervejas enquanto corriam para o palco secundário: eram os Beach House, alvo de culto fervoroso, a chegar ao palco secundário, pouco passava das 20h30. Um latagão parava a marcha, de pernas flectidas e braços erguidos aos céus como se acabasse de celebrar um golo no Mundial, para libertar ao mundo um refrão épico: eram os Keane, últimos descendentes da pop FM britânica, que tocavam no palco principal as suas indistintas baladas sentimentalonas, como Is it any wonder ou Somewhere only we know.

No arranque do renovado Super Bock Super Rock, o trânsito não correu lentíssimo como se temia e o público, cerca de 20 mil pessoas segundo a organização, chegou sem problemas de maior. Com três palcos, a habitual zona de restauração e os também habituais stands de animação montados pelos patrocinadores, milhares de pés levantaram poeira na areia deste Meco que ainda não é praia mas, apesar das árvores, já não é bosque.

Revivalismo anos 80

A noite baixava sobre o recinto quando se ergueu a primeira nuvem de pó. Os australianos Cut Copy trouxeram synth-pop com arestas rock e o público, de braços no ar, saltou em aprovação. Ao crepúsculo, o início da euforia - e, no palco principal, o fim da excelência. Apesar dos Pet Shop Boys, que chegaram depois da meia-noite para encerrar o primeiro dia com o aparato cenográfico de um palco feito de cubos brancos e projecções vídeo, um grupo de bailarinos entre a robótica Kraftwerk e o bailado de musical e um guarda-fatos recheado (Neil Tennant foi crooner de smoking, rei de coroa e manto e personagem warholiana). Apesar de todos os hits de uma longa e respeitável carreira, como Go west, Suburbia, It"s a sin ou, no final, West End girls, a verdade é que não deixou de se sentir neles um anacronismo que apenas o actual revivalismo anos 80 transforma em delírio colectivo decorado com um sorriso de felicidade nostálgica.

Os grandes concertos do primeiro dia de Super Bock Super Rock aconteceram antes de anoitecer, quando Jamie Lidell, virtuosíssima enciclopédia de música negra que inaugurou o palco principal, e Mayer Hawthorne, misto de estrela Motown e galã de James Bond, ofereceram uma magnífica lição de soul a um público ainda em número reduzido.

Mayer Hawthorne, revelação em 2009 com A Stranger Arrangement, foi um showman imbatível. Quando lançou "let"s go Motown all the way!", já não havia retrocesso possível. Acompanhado por um vibrante combo alimentado pelo groove do piano eléctrico, transformou o concerto em medley e, grande canção atrás de grande canção, foi um Marvin Gaye carnal e espiritual, foi os Temptations a uma só voz ou as Vandellas lideradas por um furacão com a história da soul no corpo. Melhor que ele, apenas os Grizzly Bear.

Chegaram ao palco secundário depois das canções de St. Vincent e do melting pot indie dos Temper Trap e, concentrados nas canções do celebrado Veckatimest e rodeados por um jogo de luzes intimista, foram o conforto de uma velha balada da década de 1950, intrincado psicadelismo de estúdio e o melhor grupo vocal que o século XXI inventou. Canções como Fine for now ou Two weeks, esta tocada com a convidada Victoria Legrand, vocalista dos Beach House, foram reconhecidas e sorvidas por um público conhecedor das admiráveis melodias de uma banda que pensa a música como micro-sinfonias pop. "Demorámos cinco anos a chegar a Portugal e agora viemos duas vezes num ano [estiveram em Maio nos Coliseus de Lisboa e Porto]. Maravilhoso", diziam a meio do concerto. Pois que regressem quando bem lhes aprouver.

Com Mayer Hawthorne e os Grizzly Bear, o início do Super Bock Super Rock deu-se em grande estilo. Mesmo aqueles que circulavam pelo recinto de máscaras na cara para se protegerem do pó, quais zombies festivaleiros, não deixariam de concordar connosco.

Mário Lopes é crítico de música

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