Duas horas alucinadamente burras

Que grande filme que, noutras mãos, "Dia e Noite" podia ter sido. A história de um super-espião que arrasta para uma aventura caleidoscópica e muito confusa uma incauta restauradora de motores é a mais perfeita encarnação do "macguffin" Hitchcockiano desde o imortal "Intriga Internacional" (1959): isto é, o objecto que é nominalmente o motor que põe a intriga em movimento (uma suposta pilha revolucionária) não tem absolutamente importância nenhuma. O que interessa é o modo como esse "macguffin" possibilita, ao mesmo tempo, uma nostalgia positiva da comédia de espionagem dos anos 1960, a destruição sistemática da sua lógica interna e a sua reconstrução a partir de dentro como uma espécie de "screwball comedy" arraçada de desenho animado - e Cameron Diaz, com a sua presença luminosa, é a actriz ideal para encarnar essa "décalage" entre o humor e a acção. O problema é que o muito estimável James Mangold, que se está a tornar num muito interessante herdeiro dos velhos funcionários de Hollywood (confirme-se em "Walk the Line", 2005, e "O Comboio das 3.10", 2007), tem a cabeça no sítio certo mas não tem ainda a tarimba que lhe permita conseguir que o espectador se esqueça de que o que está a ver não tem (nem é suposto ter) ponta por onde se lhe pegue.


O resultado é um "blockbuster" cuja aposta na irrisão e cujo tom descontraído e despretensioso são sabotados a cada passo pela sua própria incapacidade de levar até às últimas consequências a desconstrução. E, sobretudo, é um filme sabotado pela presença da sua vedeta nominal, um Tom Cruise que, por mais que tente, não é capaz de se libertar da sua intensidade habitual, mesmo estando supostamente a brincar com a sua própria imagem de marca, nem de invocar o charme "blasé" que um papel destes implica. Desde que não se lhe peça nada mais do que duas horas alucinadamente burras, "Dia e Noite" é o divertimento de Verão ideal.

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