Governo mantém fundação que há 30 anos não cumpre objectivos
Em resposta escrita ao PÚBLICO, Marques remete para o futuro próximo a realização dos fins da fundação: "Espera-se que o projecto apresentado, e que visa a construção de uma unidade de cuidados continuados e um lar de idosos, esteja em condições de ser aprovado pela Câmara Municipal de Sintra, permitindo a abertura, a breve trecho, do concurso para início da obra. A estimativa de custos de construção é de 6.715.504,00 euros. Depois de se obter o licenciamento a construção demorará 1,5 a 2 anos."
Certo é que, já em Novembro de 2005, o actual presidente do conselho de administração da Fundação, Luís Garcês Palha, prometia que as obras teriam início no final de 2006. Passaram quatro anos. O responsável da FAS justifica os atrasos com problemas com a aprovação do projecto na Câmara de Sintra e outros entraves burocráticos. "Espero que em 2011 comecem as obras", diz.
Petições às tutelasNão é tempo de mais? Garcês Palha atira responsabilidades para "entidades exteriores que não deixam trabalhar - e mesmo interiormente há problemas". Refere-se, sobretudo, a Rui Leitão, um dos vogais do conselho de administração - o único executor do testamento escolhido por Maria Sardinha -, e à Casa do Gaiato.
No testamento, a testadora estabelecera que, se a FAS não cumprisse os objectivos, os bens reverteriam para a Casa do Gaiato (CG). Após dez anos de inactividade, os sobrinhos da viúva foram ter com os responsáveis da CG, dando-lhes a conhecer o teor do testamento e pedindo que estes interviessem.
Sucessivas petições aos ministros que tutelam as fundações foram preparadas por Leitão e também pela CG através de um advogado (ver texto ao lado). A CG instruiu mesmo um processo em tribunal, mas este julgou-se incompetente para decidir, remetendo-a para a tutela. Apesar disso, o tribunal dizia ser "chocante" que, nessa altura (Março de 2005), tivessem já decorrido 25 anos "sem que o património tenha efectivamente revertido em favor da obra determinada".
Dez anos antes, em 95, Salter Cid, secretário de Estado do último Governo de Cavaco Silva, aceitara a argumentação e extinguira a FAS. Só que este governante não tinha competência formal para tal decisão - a tutela passara, em 1987, para a Administração Interna. O novo ministro, Ferro Rodrigues, revogou o despacho, chamou de novo a si a tutela das fundações e mandou fazer uma inspecção à FAS.
As inspecções sucederam-se como resposta às petições da CG - e um dos relatórios era particularmente violento com a instituição. Em 2002, o auditor jurídico do Ministério da Segurança Social, então já com Bagão Félix, aconselhava de novo que seria de "deferir a pretensão" da CG, "no sentido da extinção da fundação". Outras inspecções apontavam falhas na prossecução dos objectivos, mas sugeriam que se desse uma nova oportunidade. Até hoje.
Moradia em LisboaO secretário de Estado diz que só avalia a acção da FAS desde o início do seu mandato, em 2005. E sobre este período não tem dúvidas: "A actividade desenvolvida pelo conselho de administração foi sendo escrutinada, ao longo dos últimos anos, pelos órgãos sociais da Fundação, pela Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, pelo auditor jurídico do ministério e pelo Departamento de Investigação e Acção Penal [DIAP]."
A queixa ao DIAP foi entregue por Teresa Venda, vogal do conselho fiscal da FAS e deputada independente pelo PS. Mas não foi atendida porque estava fora das competências do departamento. Venda criticou, no conselho fiscal, as orientações do conselho de administração. Num relatório da Inspecção-Geral da Segurança Social, de Fevereiro de 2006, as relatoras dizem que os argumentos de Venda "se reputam válidos e pertinentes". Mas, a seguir, fazem um conjunto de considerações que defendem o conselho de administração.
Outro caso é o de uma moradia na Rua de Rodrigo da Fonseca, em Lisboa. A víuva deixou escrito no testamento que a moradia "jamais" deveria ser "alienada, demolida ou transformada em prédio de rendimento", antes preferindo vê-la transformada em museu, legando-a ao Museu Nacional de Arte Antiga, que não aceitou o legado. A FAS prepara-se agora para a vender, depois de anteriores tentativas falhadas devido a providências cautelares, por parte de Leitão ou da CG.
O estado de degradação agravou-se com um incêndio em 2005. A câmara intimou a FAS a realizar obras. Por isso, a fundação "decidiu alienar o imóvel, afectando os recursos financeiros à construção do complexo de Albarraque, fim principal da fundação", diz Marques, que sustenta a resolução em "dois pareceres jurídicos que concluíram pela legitimidade" da decisão.