Srebrenica ainda enterra os seus mortos

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Todos os anos, Potocari é destino de peregrinação de sobreviventes e familiares das vítimas DIMITAR DILKOFF/AFP

Presidente sérvio presente nas cerimónias que assinalam maior genocídio na Europa desde a II Guerra Mundial. Apesar de declarações de reconciliação, as feridas permanecem abertas

Hatidza Mehmedovic enterra hoje o marido, Abdulah, e os dois filhos, Almir e Azmir. Foram mortos, como mais de oito mil outros muçulmanos, há 15 anos, no maior massacre a que a Europa assistiu desde a II Guerra Mundial. Mas só agora têm direito à dignidade de um funeral.

O enterro dos restos mortais de 775 das vítimas do massacre de Srebrenica, em Julho de 1995, é o momento alto das cerimónias civis e religiosas que levaram milhares de pessoas ao memorial de Potocari, próximo da cidade que se tornou um triste símbolo da guerra na ex-Jugoslávia.

"É uma espécie de peregrinação que faço todos os anos para agradecer a Deus ter-me salvo", disse à AFP um dos sobreviventes, Sefik Begociv, de 37 anos, que, nos últimos dias, integrou a marcha de 105 quilómetros que, em sentido contrário, milhares fizeram entre Nezuk, porto de abrigo de uma parte dos muçulmanos sobreviventes de 1995, e Srebrenica, de onde fugiram.

Srebrenica era um enclave muçulmano protegido pelas Nações Unidas e por isso procurado por muitos refugiados. Mas isso não impediu que, face à passividade internacional e impotência das forças no terreno, fosse tomado por forças sérvias-bósnias, a 11 de Julho de 1995.

As mulheres foram transportadas em autocarros para lugares seguros, os homens e rapazes fugiram ou foram levados para serem mortos. Um número calculado em 10 mil a 15 mil dos que debandaram procurou chegar a Tuzla, controlada por muçulmanos. Em poucos dias, alvo de ataques e bombardeamentos, foram mortos mais de oito mil. O Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia viria a classificar o massacre como genocídio.

Os primeiros enterros em Potocari foram em 2003. Até agora, tinham sido sepultados os restos de 3.749 pessoas, exumadas de dezenas de valas comuns. O ADN permitiu já a identificação de mais de 6.500, mas o trabalho está longe de terminar, até porque continua a haver desaparecidos.

Em Potocari está hoje prevista a presença do Presidente da Sérvia, Boris Tadic, que repete um gesto de há cinco anos. As cerimónias ocorrem três meses depois de, após anos de recusa, o Parlamento sérvio ter condenado o massacre. Mas as associações de familiares de vítimas lamentam que a declaração não tenha usado o termo "genocídio" e desconfiam da sinceridade de Tadic. "É bom que venha, quaisquer que sejam as suas motivações, mas vou perguntar-lhe porque não trouxe Ratko Mladic", disse à AFP Munira Subasic, presidente da associação de mulheres de Srebrenica. Mladic, ex-chefe militar dos sérvios da Bósnia, continua a monte.

O antigo líder político dos sérvios-bósnios, Radovan Karadzic, considerado um dos principais responsáveis do massacre, está a ser julgado pelo TPI. Os ex-militares Vujadin Popovi e Ljubisa Beara foram condenados em Junho a prisão perpétua e o ex- general Radislav Krstic, braço-direito de Mladic, cumpre desde 2004 uma pena de 35 anos de prisão por genocídio.

Ainda que a perda do marido e dos filhos, então com 17 e 20 anos, nunca seja reparada, as cerimónias de hoje fecham um capítulo na vida de Hatidza. Algo por que Hajra Catic ainda anseia. Há três anos, teve a confirmação de que o filho, Nino, à época com 26 anos, foi vítima do bombardeamento a uma coluna de fugitivos de Srebrenica, mas dele nunca foram encontrados vestígios. "Se ao menos eu pudesse encontrar nem que fosse um dedo do meu filho para finalmente enterrar qualquer coisa", disse à AFP.

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