Muras,os índios condenados à extinção pelos portugueses

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Os Muras são um povo que se move na região do Baixo Amazonas conforme a época de cheia ou várzea, alternando entre a caça de tatu, paca e veado, e a pesca. Durante essa deslocação, muitos fazendeiros aproveitam para se apropriar das terras que consideram abandonadas. Há 36 aldeias delimitadas, mas este povo índio espera pela oficialização de um mapa da Amazónia

Enfraquecidos pelas lutas contra os colonizadores portugueses há dois séculos, a tribo indígena Mura quase foi dizimada. A História chegou a admitir que teriam desaparecido. Neste século, são já mais de nove mil e lutam pela demarcação da sua terra, sob ameaças de morte. Estão a mudar o mapa da Amazónia e a resgatar a memória com uma escola indígena.

1. Calor-inferno para Novo Céu, terra Mura

As pernas do miúdo dentro da água com lixo não parecem estranhar o lodo. Sentem-se cheiros azedos de esgoto. Há comércio clandestino e fruta exótica em cestas, bafejada com fumo de escape, calor e poeira vermelha. No porto de Careiro da Várzea, no rio Amazonas, a uma hora de barco de Manaus, a maior metrópole da Amazónia brasileira, há ainda gente cabisbaixa e apressada. O último autocarro para Autazes e Novo Céu parte dali a dois minutos, às quatro da tarde. Muitos ainda enfrentariam, depois, o barco até às outras margens das vilas de Jacaré e Murutinga, terras dos índios Muras.

O dia, até ser noite, tem mais 150 quilómetros até à Comunidade de Novo Céu. Água potável só engarrafada e uma garrafa de litro e meio é insuficiente para enfrentar a rudeza da Rodovia Transamazônica até ao destino. São três horas num autocarro de ferro-velho, impreparado para o calor-assassino da Amazónia, que pode sintetizar o bunker-convulsivo que ela é. Terra rude, tensa, ilegal, onde se mata por muito pouco, e onde a justiça não tem mão, quando existe. Aqui o tempo e o espaço desconcertam-nos, promíscuos. Se o primeiro já é lento, o segundo, colossal, intensifica-lhe o vagar. Tudo é sempre demasiado longe: estradas precárias, curvas de rios sinuosos e voos de horas vendo um manto verde homogéneo, intercalado por porções desmatadas.

Ocupando um banco de corredor no autocarro, a morena com a criança ao colo não deve ter mais de 16 anos. Tem os sacos de plástico de supermercado atulhados por baixo do banco, a atrapalharem o conforto das pernas. Tem manchas de suor na camisola.

Mal o precário autocarro arranca, a transpiração espalha-se para cada um dos corpos dos viajantes como um vírus. O arranque é violento e o motor soluça a cada mudança engrenada.

Os mais de 30 graus, lá fora, de terra em transe, entram em efeito estufa para a "lata" velha colectiva. Quem quiser "ar condicionado" abrirá as janelas. Mas a corrente de ar, insuficiente para arejar 30 fôlegos simultâneos dos passageiros, é abafada, mesmo a 80 km/h. O pó dos bancos insalubres mistura-se com o odor acre das peles e, dali a pouco, há gente a sufocar com quebra de tensão. O motorista tem de parar o autocarro para uma pausa. Pedem-lhe, depois, para que acelere mais um pouco entre lombas e fissuras do piso. Acata o conselho. Seria esse o remédio para esquecer o calor: estávamos agora concentrados em chegar vivos ao destino. Quando ele desvia para a estrada secundária, há crateras. Já noite, porque aqui anoitece cedo, enfrenta-se a estrada de terra seca e gravilha. O autocarro inclina-se para a berma, galgando um pedaço de mato. Os galhos arranham o braço de uma miúda que manteve a janela aberta. A mãe ralha-lhe, mas resignada ao carrossel violento em que a viagem se tornou. É habitual. Uma hora depois, sob o calvário de solavancos e o insuportável cheiro a terra queimada, povoada por abutres, Novo Céu parece ser o paraíso por que se ansiava.

2. Ameaças de morte

e terra roubada

No dia seguinte, a primeira advertência. "O António Mota é um tuxaua de trato difícil. É preciso ter muito cuidado com a forma como se fala com ele." Viria a segunda, como extensão de uma regra. "Ouça-o, com muita atenção." O aviso é do padre italiano Massimo Ramundo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Manaus, recém-chegado a Novo Céu mas há 17 no Brasil, para ajudar também os Muras da região, a tribo indígena que os livros de História relatam terem sido condenados à extinção pelos colonizadores portugueses.

Depois viria a espera de uma hora, sem água para beber, sob 40 graus, num campo de plantação de mandioca a ser devastado por vermes. A mulher do tuxaua de "trato difícil", o líder eleito de uma comunidade indígena, tenta dizimá-los de enxada na mão, em "mutirão" com mais uma dezena de "parentes". A seu tempo, António Mota sai do meio do mato. Acelerado, de corpo macilento e queimado pelo sol, T-shirt, calças de ganga e boné desportivo. É ele quem toma o rumo da conversa, ao ver cor de pele estrangeira. Esbraceja, esbugalha os olhos, irascível. Essa seria mais uma regra sempre que tomasse a palavra. Dispara: "Finalmente a nossa causa vai ser internacional. Vai contar a nossa história em Portugal? Há muitos anos que lutamos pela demarcação da nossa terra e os fazendeiros estão a destruí-la, queimando-a. Veja a tristeza à nossa volta: terra em cinzas, terreno infértil. Daqui a pouco tempo não sobrará nada e os nossos filhos não terão meios de sobrevivência."

Há preocupação e temor justificados na acusação do tuxaua. O povo Mura, como muitos povos indígenas no Brasil, vivem do que plantam e do que a terra dá. A mandioca é a base da alimentação. Com campos devastados por mão alheia aos Muras, donos daquelas terras, está a morrer também parte da dieta de sobrevivência deles: a castanha, as frutas como o açaí e a bacaba, que nascem numa espécie de palmeira, usadas também para fazer o caiçuma, tipo de bebida alcoólica, cuja técnica herdaram dos antepassados. A acusação de "terra roubada" prossegue na voz de Roberto Santos, outra liderança tuxaua da aldeia de Caranaí, a metros daquele campo de mandioca. "Estamos cercados. Eles estão a pressionar-nos cada vez mais. Veja que ao redor da nossa aldeia só há fazendas." Ou seja, reforça, contundente, António Mota, "muitos brancos" estão a apropriar-se, "ilegamente, das terras do povo Mura", sob a alegação de que foram eles que as "acharam" para morar.

Por antiguidade, os Muras, que habitam a região há centenas de anos, enquanto indígenas, são os donos da terra. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) já a delimitou, englobando 37 aldeias ao redor. Falta a demarcação oficial, divulgada em lei. Ainda assim, "o avanço ilegítimo dos brancos" é notório. A região tem extensas cercas, grandes casas senhoriais e gado a pastar. Não era suposto. O conflito agrário entre os Muras e os fazendeiros tem tom intimidativo e coerção física. "Quando os confrontamos para tentar mostrar que estão errados - e eles sabem que estão - roubando o que é nosso, a nossa cultura e a nossa forma de vida, somos ameaçados de morte", denuncia o tuxaua. O cenário poderia, hoje, ser pior, continua. "Antes eu estava noutra área. Se eu não tivesse vindo para este lado, na aldeia de Tauari, os fazendeiros já teriam tomado toda a nossa terra. E isso é crime previsto em lei. Temos de resistir." E resistir por aqui significa enfrentar "pressão psicológica" diária. Há carros que invadem as aldeias acelerados, ameaças de atropelamento na estrada de gravilha, exibição de pistolas.

Apesar de os Mura terem a lei do lado deles, o Governo Federal não consegue ter mão na área. E a Polícia Federal nem sempre atende os apelos, pois o contingente resume-se a meia dúzia de homens.

A tensão e o conflito são extensões óbvias da voz revoltada de António Mota. "Quando esses fazendeiros passam pelas nossas aldeias de carro, atiram pedras para nos amedrontar." E essa forma de "aviso" já foi, não raras vezes, mais longe, conforme conta o tuxaua da aldeia de Atauarí. "O ano passado ameaçaram matar-me; que eu poderia esperar que isso acontecesse, porque andava causando muitos problemas. Vários parentes estiveram comigo, a defender-me, e passámos as noites acordados, para que não me apanhassem de surpresa."

Nessa altura, a Polícia Federal e a FUNAI tiveram de intervir para apaziguar os ânimos e defender o tuxaua. Mas os centros de decisões e justiça ficam demasiado longe de Novo Céu.

Valder Pacheco, conselheiro fiscal e uma das lideranças das aldeias Mura, já levou um enxerto de porrada de "um fazendeiro". Prefere não revelar o nome dele para se salvaguardar de represálias. "Uma vez fui procurar saber por que razão ele quase atropelou a minha mulher na estrada. Quando lá cheguei, bateram-me." Chegou a apresentar queixa na polícia. Não deu em nada.

As ameaças e a "tortura" psicológica não amordaçaram os Mura, muito menos o discurso obstinado do tuxaua de Tauarí. "Sou uma jiquitaia daquelas bravas [formiga vermelha da Amazónia que causa forte ardência na pele] para denunciar os crimes que estão cometendo contra meu povo."

3. Demarcação da terra, subornos e poluição

Para se chegar à aldeia de Murutinga, do outro lado do rio Autazes, filho do Madeira, um dos grandes da Amazónia, e onde originalmente se fixaram os antepassados dos Muras, é preciso apanhar uma canoa com uma "rabeta" (motor pequeno) e enchê-la com um litro de gasolina. São 30 minutos de ronco fraco.

A prima do António Mota aproveita a boleia, levando a filha, pois nem sempre há transporte para aquele lado da margem.

O sol forte queima a pele exposta. Há casas flutuantes no rio, típicas de época de várzea por ali, com peixe abundante para a dieta alimentar das famílias. Um homem toma banho nessas águas fluviais e uma família viaja de canoa, remando no sentido oposto. Motor de barco, aqui, é luxo.

Vêem-se garças e jacarés nas margens; e duas crianças sozinhas num barco a tirar peixe do rio sem muito esforço.

Se desligarmos a rabeta, há placidez de natureza: pios de pássaros e rio a embalar canoas de casco frágil, artesanais. Com a atenção do ouvido apurado, percebe-se que o sossego é cortado pelo barulho de fundo do motor de uma termoeléctrica, das várias da região, que servem para levar electricidade a algumas comunidades. Uma novidade de há três anos (não o suficiente para acabar com as velas das casas dos Muras), mas também uma "solução" que faz da Amazónia uma das regiões mais poluentes. O gasóleo necessário para as abastecer vem de Manaus, transportado em cargueiros que sobem o Amazonas, depois de 20 dias no Atlântico desde o Sul do Brasil.

Para o padre Massimo Ramundo do CIMI, que apoia os indígenas com questões legais e formação, a luta do povo Mura pela terra endureceu com a liderança de António Mota. Massimo relembra que, durante muitos anos, o povo Mura esteve disperso. Resgata a História. "Os Mura foram dos povos que mais sofreram com a colonização portuguesa, condenados à extinção pela sua resistência à escravatura." A História chegou mesmo a considerar que se extinguiram. Um equívoco: resistiram na selva, dispersos. Agora, reforça Massimo, o tuxaua conseguiu unir todas as lideranças da região e reforçar a identidade Mura. "Muitos tinham e têm, ainda, vergonha de ser índios. Tenho primos que querem ser brancos e negam as suas origens. Temos a responsabilidade de honrar a memória dos antepassados. Por isso, temos de reivindicar os nossos direitos." O tuxaua de Itauari conseguiu identificar ainda "os parentes" (nome por que se denominam todos os índios entre si) que "estavam a ser subornados por esses fazendeiros".

Os Muras são um povo que se move na região do Baixo Amazonas conforme a época de cheia ou várzea, alternando entre a caça de tatu, paca e veado, e a pesca. Durante essa deslocação muitos fazendeiros aproveitam para se "apropriar das terras indígenas", que alegam estarem "abandonadas", para "queimarem terrenos e criar gado". "Há muitos parentes que apoiam brancos, em troca de dinheiro", confirma Maria Lúcia, conselheira local de saúde e vice-tuxaua da aldeia de Murutinga, junto com o líder Raimundo Monteiro. "Eles já tentaram subornar-nos. Nunca aceitamos. É um insulto. O mais importante é a demarcação das nossas terras, que estão a desaparecer." O tuxaua de Murutinga empola o alerta: "Todos os anos eles avançam mais e não sai nenhuma resolução legal."

A antropóloga Márcia Pereira, da FUNAI, coordenadora do projecto Mura, já conversou várias vezes com os fazendeiros, intermediando o diálogo e reforçando a legalidade das terras indígenas. Algumas vezes não a receberam, outras os "conselhos" caíram no vazio. Enquanto o ofício da FUNAI (e sem data) não sai, a área Mura continua a ser invadida.

4. Escola e saúde

indígenas

O homem de óculos de sol deitado na rede dos "parentes" de António Mota está inamovível. É "branco" e sofreu um AVC o mês passado. Não fala. Só se move com ajuda e os óculos servem para esconder um derrame no olho. "Encontramo-lo no chão da casa dele, onde morava sozinho", relata Mota. Conseguiram, depois, algum dinheiro para levá-lo para Manaus, mas voltou em estado vegetativo. Não há médicos num raio de 150 quilómetros, com todas as dificuldades de transporte que isso implica, aqui, longe de tudo.

O caso "exemplifica" a falta de acesso à saúde na região. Ainda que a aldeia de Murutinga tenha um posto de saúde, apetrechado com uma minifarmácia (com remédios para os principais males da Amazónia, como diarreias e gripes), uma enfermeira e duas técnicas, a assistência é muito precária. "Para problemas maiores, temos a Casa do Índio em Manaus, mas eu peço ao agente de saúde daqui para não mandar ninguém para aquele lugar: está cheio de moscas, é sujo, horrível. Aquilo não é para gente", denuncia António Mota. Continua, irado: "A falta de acesso à saúde é uma das minhas grandes tristezas. Qual é o futuro das nossas crianças? Eu sei que a FUNASA [Fundação Nacional de Saúde Indígena] tem recursos para melhorar as condições, mas esse dinheiro só pode estar a ser desviado. A assistência tem piorado cada vez mais."

As grávidas têm de ir para Manaus para dar à luz e muitos ribeirinhos agonizam sem cuidados mínimos de saúde. Por não conhecerem outras condições de atendimento, muitos índios Muras conformam-se. Mas isso está a mudar. Sobretudo desde que o ensino indígena se consolidou nas aldeias e desde que a faculdade chegou para muitos professores. "Só cientes dos nossos direitos podemos enfrentar o branco que, em muitas ocasiões, nos tratou como se fôssemos nada", desabafa Amélia Cabral, professora Mura a frequentar o primeiro ano da Licenciatura Indígena, reivindicada pela comunidade. Sentiram "necessidade de uma formação especializada para ensinar às crianças a importância do espírito crítico".

A parceria nasceu, então, com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), uma das mais conceituadas do estado. E como funciona o ensino indígena? "Adoptamos o sistema nacional - Matemática, Língua Portuguesa, Geografia e História - mas trabalhamos com a nossa realidade: valorizando a memória dos nossos antepassados para perceber a versão da História que os brancos contam." Ou seja: "Como podem as crianças saber que foi Pedro Álvares Cabral quem veio primeiro para o Brasil, sem saber quem foi o primeiro tuxaua?", questiona Amélia, reforçando que a metodologia de ensino indígena privilegia o "diálogo na sala de aula". Objectivo: formar "crianças que pensam e não que engolem verdades absolutas". Para isso, completa Mário Mar Sousa, presidente da Organização dos Professores Mura, e a trabalhar há 17 anos com a "melhoria da educação" do seu "povo", há um cuidado "permanente" em cruzar o conhecimento indígena com o do "branco". Sobretudo porque a televisão e a Internet, com a electrificação das aldeias, entraram em "grande força" nas aldeias indígenas. Logo, se há tecnologia disponível, importa usá-la para o bem da comunidade e "perceber por que o que acontece no mundo afecta as aldeias Mura". Como por exemplo, ilustra Sousa, "se o desmatamento evolui, pode levar à morte de um rio", privando-os do peixe, um dos principais alimentos.

5. Resgate da cultura,

novo mapa da Amazónia

Trinta professores indígenas reúnem-se ao redor do mapa da Amazónia na sala de aula da Secretaria Municipal de Educação de Autazes. "Esta aldeia não é aqui, é mais para cima", aponta um deles, traçando a lápis a coordenada errada. "E, olha aqui: este igarapé não tem este nome. Não tem nada a ver!", observa outro.

A propósito da Licenciatura Indígena Mura, Maria Angélica Caviccioli, professora de cartografia da UFAM, percebeu que há dezenas de equívocos no mapa da Amazónia, cartografado pelos militares brasileiros em 1980. Compete-lhe, agora, passar com rigor ao Departamento de Cartografia e Geografia do Exército algumas dessas imprecisões identificadas pelos Mura. "Eles têm um conhecimento espacial rigoroso da região onde moram, num nível de detalhe que mais ninguém tem. Sabem orientar-se no meio da selva, identificam todas as árvores, rios, afluentes e caminhos, sem GPS."

Os desenhos das aldeias traçados pelos professores, têm um nível de pormenor "incrível": ilustrações das casas de cada um; tipos de peixes, canoas e as plantações de fruta. Pensemos no que isto significa: o povo Mura está a mudar o mapa da Amazónia. Haverá outros "equívocos", presume-se, nas coordenadas do mapa amazónico. Sendo a região tão extensa, com milhares de hectares inacessíveis e inexplorados, é difícil "mapeá-la".

"Temos muito a aprender com eles", admite a professora da UFAM, referindo-se à cultura Mura. Há troca de conhecimento, portanto. "Percebi que eles precisavam apenas de noções de cartografia, pois, em poucos minutos, conseguiram identificar a área deles numa imagem satélite."

Empenhados em resgatar a memória e o valor da sua cultura, os Muras editaram um livro com informações e mapas de cada uma das aldeias. E tiveram, há dois anos, apoio do Ministério da Cultura brasileiro para produzir documentários sobre as lendas, as músicas, as festas, a Língua Mura - o Nhengatu - que só os mais velhos, poucos, falam, já que o português é, hoje, a língua materna.

António Mota gosta de uma canção em especial, "a da Cotia", que todos os anos serve para dançar no Dia Nacional do Índio, a 19 de Abril, como celebração da cultura Mura. Mas é a única festa cultural que realmente celebram, além da de Santo António, a 13 de Junho, numa mistura de sagrado e profano, com fitas coloridas ao redor da imagem, que viaja na mão de barco pelas várias aldeias. O livro descreve ainda um dos maiores "tesouros" das comunidades indígenas. Isto é, os "saberes tradicionais da floresta": remédios caseiros para a diarreia, malária e cancro como a casca de paracanaúba, usada pelos Pajé, sobretudo, os curandeiros indígenas, cuja importância está, hoje, a desaparecer.

No entanto, se a cultura Mura esteve "esquecida" por muito tempo, conforme atenta Mário Sousa, o resgate da memória pela educação está a consolidar a identidade. Em poucos anos, passaram de dezenas de famílias para milhares. O livro é, por isso, uma espécie de prova contra as falácias do passado e homenagem aos antepassados "guerreiros". "Houve até historiadores e um governador que disseram que nós já não existíamos, que tínhamos sido dizimados pelos colonizadores. Já mudámos essa percepção", diz orgulhoso Mário, que é também Professor de História e Geografia.

O documento-livro, Povo Mura, de mais de 250 páginas faz já parte do acervo da UFAM, como registo de memória viva, detalhada, que a História não pode, agora, apagar. a ??publica@publico.pt

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