Executivo ganhou tempo com uso do poder de veto
Mesmo que o Governo não queira entrar numa batalha jurídica com a Comissão Europeia, já ganhou, pelo menos, margem de tempo para alterar as condições da oferta feita pela Telefónica.
Isto porque, de acordo com Nuno Cunha Rodrigues, autor da obra Golden Shares - As empresas participadas do Estado enquanto accionista minoritário, mesmo que o Governo acate a decisão do tribunal, "este tipo de processos costumam demorar vários meses" até serem concluídos. A mesma opinião tem António Carneiro Pacheco, advogado e especialista em assuntos europeus e mercados financeiros, relembrando outros casos que ocorreram na União Europeia. "Espanha demorou três anos a abdicar da golden share na Telefónica. A Itália não cumpriu a condenação na acção declarativa, o que obrigou a nova acção de incumprimento que culminou com a aplicação de multas. Mesmo assim, está há um ano a pagar multas para não abdicar da golden share na Telecom Itália", recorda.
E, entretanto, o Estado pode continuar a ter uma palavra a dizer sobre o futuro da PT, já que, como refere António Carneiro Pacheco, "enquanto as cláusulas estatutárias estiverem em vigor, o Governo pode impedir alterações de estatutos, alienações de participações importantes, etc.".
Para Nuno Cunha Rodrigues e Carneiro Pacheco, a decisão do tribunal (que não surpreendeu nenhum dos responsáveis contactados pelo PÚBLICO) não é passível de provocar efeitos de retroactividade sobre a utilização da golden share na assembleia geral da PT, através da qual o Governo impediu a venda da Vivo à operadora espanhola, contra a maioria dos votos dos accionistas.
Mesmo assim, o Governo pode discordar da decisão do tribunal, até porque tem defendido que as 500 acções do Tesouro através das quais são detidos direitos especiais na PT não são golden shares, já que não derivam de uma lei, mas sim de um acordo estatutário aprovado pelos accionistas da empresa em assembleia. Uma ideia rebatida pelo tribunal (até porque o acordo foi votado quando o Estado era accionista maioritário) e da qual discordam o ex-presidente da Autoridade da Concorrência, Abel Mateus, e Nuno da Cunha Rodrigues.
Este último refere que os direitos são do detentor das acções, o Estado (que não as pode passar para as mãos de privados), e não dos títulos propriamente ditos (logo, transmissíveis), como estipulado no código das sociedades comerciais. Recorda ainda que as golden share surgiram no âmbito da lei das reprivatizações, ou seja, por via legislativa, mesmo que depois aprovadas em assembleias gerais.
Já Abel Mateus, crítico da posição do Governo, questiona o facto de este ainda não ter explicado, concretamente, porque que é que a Vivo é considerada como estratégica. E defende que o Governo deve acatar a decisão do tribunal. Também aqui está em sintonia com Nuno da Cunha Rodrigues, embora este ressalve que, caso o Governo contrarie a decisão judicial, a sanção, monetária, também não surge de forma imediata. Primeiro, a Comissão Europeia teria que se debruçar sobre a questão, para então propor ao tribunal a condenação de Portugal. Depois, seria a vez do tribunal demorar o seu tempo a analisar o processo, para então proferir uma decisão. Mas isso é pouco provável que venha a suceder, estando o Governo a estudar outras opções para manter a influência sobre a PT (nomeadamente via CGD, através da elaboração de um pacto social, tal como sucede na Galp).