Al e Tipper Gore A separação que chocou a América

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O casamento, em Março de 1970; fotografia do livro LUKE FRAZZA/ afp

Foi uma surpresa desagradável que tenha chegado ao fim o casamento de quase 40 anos do vice-presidente de Bill Clinton. Mas já não havia paixão quando ele beijou Tipper na convenção democrata em que almejava a Casa Branca. Lloyd Grove

Cenas de um casamento político.

É uma noite de Primavera de 1996. Tipper Gore está afastar um repórter importuno - nomeadamente, eu - que está a tentar entrevistar o marido dela, o vice-presidente, num jantar na Casa Branca, forçando-me a ir ao chão enquanto Al Gore arranca o bloco-notas e a caneta das minhas mãos, que resistem quanto podem. Quando Tipper me larga, o "vice" devolve-mos, depois de ter rabiscado em ambos os lados de uma folha pautada uma lamentável descrição precisa e pormenorizada dos meus desajeitados passos de dança.

Poucos anos mais tarde, estão de novo os dois unidos a enfrentar-me, desta vez em frente de um jarro de limonada, na varanda da frente da mansão do vice-presidente. É por ocasião do lançamento formal, dois dias depois, da campanha presidencial de Gore, em 2000 - e Tipper está a apoiar o seu companheiro contra acusações de que ele é uma pessoa aborrecida e sem graça.

"Penso que é ridículo", repreende-me ela. "Conta-lhe, querido!"

Al anima-a. "Chega-lhe!" A seguir acrescenta: "Gosto daquela canção Three Dog Night com aquela letra que diz "Não preciso de falar, que ela defende-me"."

Ao que Tipper justapõe uma correcção a provocá-lo: "Hmm, julgo que era The Band."

Mas nunca se põem doidos um ao outro?, perguntei.

"Não", bradou Al.

"A sério que não", concorda Tipper. "Quer dizer, não significa que é tudo perfeito - claro que temos os nossos desentendimentos."

Al meneou a cabeça. "Tivemos uma zanga uma vez, há 23 anos."

"Que eu ganhei", disse Tipper.

E depois... "o beijo". Na convenção dos democratas em Los Angeles, onde Tipper tinha acabado de o apresentar, ele sobe ao palco e faz amor com ela. Lance Morrow da revista Time entusiasmou-se mais tarde com "a pura carnalidade do beijo - a urgência tipo "não aguento esperar até voltarmos para o hotel", a electricidade sexual que os percorria". Mas enquanto os observava em tempo real, da galeria da imprensa no Centro Staples, não senti nenhuma paixão animal. Pelo contrário, era, tal como a união dos Gore, simultaneamente pessoal e político, o beijo tranquilo de um casal de meia-idade que almejava desesperadamente a Casa Branca.

Por isso, o anúncio da sua separação, duas semanas depois de celebrarem 40 anos de casados, surge como uma surpresa desagradável. Porquê agora? Eles são avós com sessenta e poucos anos, pais de quatro bonitos filhos adultos, e mostram-se ostensivamente dispostos a gozar os frutos de uma vida bem vivida (e recentemente enriquecida: a par de ganhar o Prémio Nobel da Paz pela sua cruzada contra o aquecimento global, Al embolsou dezenas de milhões de dólares desde que deixou os cargos públicos, e há pouco tempo compraram uma mansão na luxuosa zona onde fica a propriedade de Oprah, em Montecito, na Califórnia). É uma inversão da ordem natural das coisas. Não faz sentido.

"Estou estarrecido", afirma o confidente de Gore Marty Peretz, o director editorial da revista The New Republic, que foi mentor e professor de Al em Harvard.

Peretz faz parte de um círculo íntimo de amigos que, na terça-feira, receberam o email intrigante de Al e Tipper, a revelar a sua separação.

"Fiquei muito chocado", diz Larry Sabato, director do Centro de Política da Universidade da Virgínia, que há muito é um observador de Gore. "Uma das primeiras coisas que "tweetei" foi: "Dá para acreditar que o casamento dos Clinton durou mais do que o dos Gore?""

Até o antigo líder republicano na Câmara dos Representantes Newt Gingrich está desanimado perante as notícias.

"Tristeza", diz Gingrich, casado três vezes, quando lhe pergunto qual é a sua reacção. "Conheço-os há muitos anos e, embora discorde de Al filosoficamente, sempre considerei que eram um casal fantástico e sinto-me triste. [...] Quando os via em privado numa diversidade de cenários ao longo de muitos anos - porque pertencemos ao mesmo tempo à Câmara dos Representantes e quando ele estava no Senado e como vice-presidente -, eles eram em privado genuinamente pessoas muito simpáticas", diz Gingrich, "e pareciam profundamente apaixonados um pelo outro".

Mesmo que os Gore não constituíssem propriamente uma parceria política - seja o que for que os cínicos tenham sugerido constantemente -, eram, ainda assim, parceiros. Desde o tempo em que começaram a namorar em 1965, pouco depois de se conhecerem num baile de finalistas do liceu, em Washington, D.C., funcionaram como equipa. Uma testemunha recorda a visão anómala, no auge dos protestos contra a guerra do Vietname em 1968, de dois jovens sinceramente empenhados no bem comum sentados na secção dos VIP na inauguração pelo Presidente Lyndon Johnson da barragem de J. Percy Priest em Nashville, no Tennessee. Al era filho de um senador famoso do Tennessee - ambicioso, embora profundamente dividido quanto ao seu derradeiro destino na empresa da família - e Tipper era a sua companheira, sublimando os seus próprios objectivos de carreira (ser fotojornalista, por exemplo), a fim de ser uma esposa leal.

Passaram juntos por muito, a maior parte do qual foi público: as manobras políticas dele, a sua depressão clínica, a quase morte do seu jovem filho Albert III, que ficou gravemente ferido quando foi atropelado por um automóvel (uma provação particular que Al, com a sua infeliz tendência para escolher notas desafinadas, tentou transformar em vantagem política no seu discurso ao aceitar integrar a candidatura na convenção de 1992) e, claro, a esmagadora desilusão da discutível decisão do Supremo Tribunal, em Dezembro de 2000, que atribuiu a vitória presidencial a George W. Bush. Depois disso, o anterior vice-presidente derrotado ganhou peso e deixou de se barbear.

"Não foi fácil", disse-me durante um almoço com Tipper na Gramercy Tavern de Nova Iorque, dois anos depois da catástrofe. "Resolvi que ia submeter-me à lei... depois Tipper e eu fizemos as férias mais prolongadas de sempre da nossa vida. Isso ajudou realmente muito. Na altura em que regressámos da Europa, eu já tinha ultrapassado bastante a questão."

"Tem de se seguir em frente", acrescentou Tipper.

"Aquilo foi duro, mas o país seguiu em frente e eu segui em frente", afirmou Al. "Também deixei crescer a barba. Talvez não tenha sabido disso."

Fazer uma declaração pública, em vez de viver afastado e longe dos olhares, quando quase ninguém tinha uma explicação, é em si mesmo um acto de cálculo político - uma forma de aceitação do truísmo de Washington, D.C., de que é preferível dar as más notícias de uma assentada do que deixá-las serem conhecidas aos poucos.

"Quando se começa a deixar estas coisas transpirar, a conta-gotas, compreendo porque ambos disseram: "Não queremos isso"", disse uma pessoa próxima de Al Gore, que falou sob condição de manter o anonimato. "Essa é uma lição que se aprende como casal de Washington com um notório perfil público."

E prosseguiu: "Não sei se o rumo que as vidas deles tomaram agora se presta para o mesmo género de parceria que tinham quando estavam na política e no Governo. [...] Al está no ar todo o tempo - anda sempre de um lado para o outro, aconselhando a Apple e o Google e a fazer discursos - e não tenho a certeza de que isso se preste para o que Tipper quer fazer... O que "separação" significa é que "precisamos de um tempo afastados um do outro". Muito intencionalmente, não é "vamos divorciar-nos"."

Dado o drama e choque da situação, o email dos Gores para os amigos é estranhamente reticente - podia-se mesmo qualificá-lo de "rígido": "Vimos comunicar hoje que, após muita reflexão e debate, decidimos separar-nos. Esta é plenamente uma decisão mútua e mutuamente apoiada que tomámos em conjunto, na sequência de um longo e cuidadoso processo de ponderação. Pedimos respeito pela nossa privacidade e pela da nossa família, e não tencionamos fazer mais comentários."

Terminam, absurdamente, com um sorriso forçado, que recorda o seu discurso da derrota em Dezembro de 2000: "Esperamos vê-los em breve."

Tanto mistério, tão pouco conhecimento. Quando tentei obter uma explicação do cunhado e confidente de Al, Frank Hunger - viúvo da irmã de Al, Nancy -, ele interrompeu-me ainda antes de eu chegar a fazer uma pergunta.

"Não, senhor, não pode", repreende-me. "A mensagem fala por si mesma e não tenho nada a acrescentar. Desculpe, mas é tudo." E desligou. a

Exclusivo PÚBLICO / The New York Times Syndicate

Tradução Rita Veiga - Dito e Certo

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