Noite e Dia

A "fuga" - em sentido geográfico e "existencial" - é um tema que vem dos primeiros filmes de Hong Sang-Soo, e normalmente conclui-se em desolação, em regresso ao ponto inicial, pois que tudo é círculo. Em "Noite e Dia" a fuga é apresentada como facto consumado, uma legenda no genérico: um coreano apanha um avião para Paris para escapar a um imbróglio com a justiça. E depois é uma saga, uma epopeia do desenraizamento numa Paris transformada em colónia de coreanos, dias e noites (e sonhos e vigílias) confundindo-se, como se perante a poderosa estranheza do espaço todo o tempo desaparecesse (e tivesse, por isso, que ser marcado obsessivamente, dia a dia, como entradas dum diário). Hong Sang-Soo filma maravilhosamente, como de costume, e é extraordinária a maneira como em cada plano, cada cena, há uma proeza a ultrapassar - reencontrar o caminho de casa debaixo de uma carga de água, resistir a uma ex-namorada em trajos menores, comprar preservativos sem saber falar francês, etc. E, a alimentar isto, a observação de uma psique masculina particular (e de umas quantas femininas), com humor, acidez, e uma "gravitas" servida em rajadas súbitas como aguaceiros (as nuvens são, de resto, o leit-motiv visual). Um filme soberbo, que conviria não tomar pela superficialidade das aparências (Paris...) nem confundir com modelos que não têm, nem tiveram, qualquer relevância especial para o cinema de Hong Sang-Soo.

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