Fim do Roque Santeiro deixa milhares sem trabalho e milhares sem ter o que comprar
O maior mercado a céu aberto de Luanda vai ser transferido para uma área 18 quilómetros a norte da capital, que abriga quase um terço da população de Angola
Nos musseques de Luanda fica um dos maiores mercados africanos a céu aberto, o Roque Santeiro, onde a população pobre da capital angolana ganha o seu sustento ou compra comida barata para a família. O sítio foi baptizado com o nome de um herói que morreu a proteger a sua cidade numa telenovela brasileira de 1985/1986, quando o grande espaço luandense começava a prosperar, durante a guerra civil angolana.
Décadas depois, centenas de milhares de vendedores gostariam que o herói da novela da Globo regressasse para os proteger de um Governo que tenciona demolir o seu mercado e transferi-los em Junho para Panguila, 18 quilómetros a norte de Luanda.
"Se o Roque morre, todo o nosso negócio morre", afirma Olga da Conceição, que há mais de 20 anos ali vende roupas usadas. "O novo mercado é muito longe para nós irmos até lá todos os dias. Os nossos clientes vão desaparecer".
Efectivamente, em cada dia que passa, 200.000 pessoas montam banca no Roque Santeiro, para vender de tudo, desde palitos a automóveis. É também o principal mercado para a generalidade dos angolanos, dado que a capital do país se tornou uma das cidades mais caras do mundo, devido ao boom petrolífero que se seguiu ao fim da guerra civil.
"É o único lugar onde os angolanos pobres conseguem comprar alguma coisa", diz João Silva, por entre uma pilha de chinelos chineses. "Isto aqui é um grande mercado porque os pobres procuram produtos baratos".
O tamanho do Roque Santeiro é um reflexo do crescimento dramático e da pobreza de Luanda, cuja população aumentou 10 vezes desde 1974 e é agora de mais de cinco milhões. Muitos angolanos fugiram para a capital durante a guerra civil. A maioria das pessoas chegadas do interior instalou-se em musseques superlotados, sem trabalho; e recorreu ao Roque Santeiro para tentar sobreviver. Hoje em dia, Luanda abriga quase um terço dos 16,5 milhões de angolanos, na sua maioria a viver em condições precárias em redor do mercado que se tornou um dos emblemas da cidade.
As autoridades argumentam que os vendedores terão melhores condições de trabalho em Panguila (no município do Cacuaco), mas muitos críticos da transferência crêem que o principal objectivo é vender a agentes imobiliários os terrenos do Roque Santeiro, sobranceiros ao porto de Luanda.
É de admitir até um aumento da criminalidade, se acaso o velho Roque for demolido, pois que muita gente acabará no desemprego. "Estes vendedores são a seiva da economia informal", diz Ângela Diogo. "Se não conseguirem ganhar algum dinheiro aqui no mercado, viram-se para o crime".