"Até a televisão é homofóbica!"
Uns aguardavam na fila para jantar, outros estavam já sentados nas mesas, quase todos olhavam fixamente para o ecrã onde falava o Presidente da República. A transmissão televisiva, cheia de cortes, chegou a impacientar a audiência: "Até a televisão é homofóbica!", gritaram. O discurso também suscitou dúvidas: "Não vai promulgar", ouviu-se. Mas foi ali mesmo nas cantinas da Universidade de Coimbra que muitos participantes da Marcha contra a Homofobia e Transfobia, que percorreu ontem o centro de Coimbra, celebraram a promulgação da lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Nem menos, nem mais, temos direitos iguais!", gritaram, em uníssono. Foi um local inusitado para celebrar um dia "especial e único". Os festejos aconteceram ao final da tarde, depois de uma marcha que assinalou o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia - foi a 17 de Maio de 1990 que a Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu retirar a homossexualidade como transtorno mental da Classificação Internacional de Doenças (CID). Terá sido uma data escolhida por Cavaco para promulgar a lei? Magda Alves, presidente da Associação Não Te Prives, uma das associações ligadas à organização da marcha, diz ter "muitas dúvidas". "Não sei se os assessores da presidência o terão informado, não sei se tinha a noção do que este dia significa para os movimentos LGBT. O que sei é que, apesar de ter promulgado a lei, teve uma intervenção muito conservadora", afirma. O conteúdo do discurso do Presidente da República levou mesmo muitos participantes a acreditar que a lei não seria promulgada. "Foi claramente uma promulgação contrariada, um reconhecimento de que não adiantava rejeitar o diploma para, depois, a Assembleia da República pronunciar-se de novo", acrescenta Paulo Jorge Vieira, um dos participantes na marcha.
A promulgação foi celebrada como um "dia histórico". "Não estamos a falar apenas de um aspecto simbólico. Estamos perante o fim de uma desigualdade real na lei portuguesa e quem vem resolver questões tão importantes como o direito sucessório e o direito de pensões que ao longo de décadas têm prejudicado tantos casais de pessoas do mesmo sexo", afirma Paulo Jorge Vieira, há mais de dez anos ligado ao movimento LGBT.
A partir de agora, os movimentos de defesa dos direitos dos homossexuais viram-se para "outras lutas". O direito dos casais de pessoas do mesmo sexo à adopção é visto como "essencial". Assim como a possibilidade de as "mulheres lésbicas portuguesas poderem fazer inseminação artificial sem ser em Espanha". "Tenho 10 anos de activismo e vi a sociedade portuguesa mudar muito mas as coisas não se alteram radicalmente de um dia para o outro. E, por isso, o combate de transformação da sociedade tem que ser diário", diz Paulo Jorge Vieira.