Maioria dos jovens discriminados não se queixa
Insultos e agressões dirigidas a duas alunas lésbicas por parte de uma auxiliar de educação de uma escola secundária de Lisboa. Comentários discriminatórios relativamente a um aluno gay numa reunião de professores, também em Lisboa. Ameaças verbais e agressões físicas no Porto. Agressões a um aluno que manifestava desinteresse por colegas do sexo feminino numa escola de Setúbal. As queixas vêm de vários estabelecimentos de ensino e estão registadas no relatório do Observatório de Educação LGBT criado pela Rede Ex Aequo - Associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes, sobre discriminação em função da orientação sexual no espaço escolar em Portugal.
"Tive colegas que, apesar de eu nunca ter dito, sabiam que eu era homossexual e gozavam com isso. Em certas ocasiões, outros colegas, mais educados que os primeiros, saíam em minha defesa e tentavam silenciar os outros, mas sempre com uma atitude de comprometimento, como se não quisessem ser vistos a tomar a parte do homossexual. E no meio disto tudo tornou-se difícil discernir qual das atitudes me magoou mais", conta um jovem de 19 anos, de Braga, citado no relatório. "Sofri, durante dois anos lectivos consecutivos, "tortura" psicológica. Gozaram comigo, fizeram pouco de mim, falaram mal e fizeram-me sentir abaixo do pior animal que pode existir", conta outro, de 15 anos, de Aveiro.
"Alguma evolução"
Para o relatório, foram entrevistados 92 alunos vítimas de discriminação e os dados podem ser considerados uma amostra da realidade das escolas portuguesas a este nível. Segundo o relatório, a grande maioria das agressões regista-se precisamente nas escolas.
Um dos dados considerados mais preocupantes pelos responsáveis da Rede é o facto de a grande maioria das vítimas não apresentar queixa. As informações recolhidas indicam que, dos cerca de 70 agredidos em 2008, menos de dez denunciou a situação. Apesar do número diminuto, a situação representa, contudo, um progresso relativamente ao último relatório, de 2006, em que não há registo de qualquer queixa.
A ideia de que as autoridades tratariam o caso de forma "leviana" e sem garantirem o sigilo, assim como o medo e a vergonha, foram as razões apresentadas para a decisão de não fazer a denúncia.
Em comparação com anos anteriores, há mais tolerância por outras orientações sexuais nas escolas? Andreia Pereira, da direcção da Rede Ex Aequo, diz que não há dados que permitam tirar uma conclusão. Refere, contudo, que a associação tem um projecto denominado Educação LGBT, em que voluntários se deslocam às escolas com o objectivo de esclarecerem questões relacionadas com a orientação sexual e identidade de género. E a percepção que existe é a de que se observam progressos.
"Neste momento, existe mais informação correcta a circular nas escolas do que há uns anos atrás e mais casos de jovens que assumem a sua orientação sexual não-heterossexual no espaço escolar, o que pressupõe alguma evolução", diz a responsável.
Para continuar a haver progressos, acrescenta, a visibilidade é essencial, para "disseminar o carácter estigmatizante da homossexualidade e do transgenerismo presente na nossa sociedade" e verem que não são "gentes remotas estranhas". Também falta uma "maior protecção em termos de leis", assim como "a circulação de informação correcta sobre orientação sexual e identidade de género, tanto na comunicação social como nas escolas e nas universidades, através de uma educação sexual inclusiva que aborde positivamente estas temáticas", considera Andreia Pereira.
A necessidade criar "medidas de protecção contra a homofobia e transfobia em ambiente escolar" é uma das conclusões do relatório, que adverte também para o facto de as agressões no espaço escolar contribuírem "seriamente para situações de falta de auto-estima, isolamento, depressões e ideação e tentativas de suicídio, assim como para o insucesso e abandono escolar de muitos jovens LGBT". Os autores deste levantamento salientam ainda a necessidade de "formar e informar correctamente professores, alunos e auxiliares de educação", para acabar com a discriminação nas escolas portuguesas.