EDP mantém iluminação pública ligada em urbanizações vazias para evitar roubos
Sai mais barato pagar a conta da luz do que arcar com o prejuízo do furto de cobre. Este caso é na Amadora, mas acontece o mesmo em Lisboa, Setúbal, Leiria, Porto e muitos outros concelhos
Mal cai a noite, o topo da serra de Carnaxide, por cima do cemitério de Queluz e do Hospital de Amadora-Sintra, cobre-se de uma luz amarela e misteriosa. Visto de longe, o clarão intriga quem sabe que lá para o alto não há casas nem gente. E os mortos, por mais fosfatos que as ossadas contenham, não rompem trevas nem acendem lâmpadas.
O mistério desfaz-se à luz do dia, pelo meio do mato e das silvas, por caminhos de cabras, com cavalos e cães por perto. Ali, no meio do nada, com largas vistas para a serra de Sintra e para o mar do Bugio, um imenso terrapleno, rasgado por arruamentos alcatroados, aguarda uma nova urbanização, mais betão para acabar de vez com o verde que ainda separa os concelhos da Amadora e de Oeiras.
De um lado e do outro das ruas desertas avultam, majestosos, os candeeiros que hão-de iluminar os caminhos da noite aos futuros moradores da Vista Alta Village, nome comercial do empreendimento ali licenciado pela Câmara da Amadora. Por enquanto, não se vê vivalma, à excepção de meia dúzia de operários que dão corpo à primeira das 115 moradias previstas para o local, além de três dezenas de prédios de quatro e cinco pisos, todos eles por construir, num total próximo dos 300 fogos para um milhar de novos habitantes.
Uma cidade fantasma
Excluindo os carreiros que sobem a serra, o acesso ao cume faz-se apenas por uma estrada vedada ao trânsito, junto ao hipermercado Continente e ao cemitério da Amadora. Por ali só passa, durante o dia, o pessoal da única obra em curso e os eventuais interessados na compra dos lotes para construção.
Chegada a noite, porém, as ruas enchem-se de luz, aparentemente para nada, a não ser para desperdiçar a mesma energia que os cidadãos são incitados a poupar. Muitas centenas de potentes lâmpadas acendem-se no alto das luminárias, para perdição de nuvens de mosquitos e espanto de morcegos, corujas e outros noctívagos voadores.
"Isto não é de agora, já há vários anos que acendem as luzes todas as noites. É uma cidade fantasma", diz Igor Mendes, morador em Monte Abraão, na parte alta de Queluz, a três ou quatro quilómetros de distância. Gabriel Oliveira, vereador da Câmara da Amadora com o pelouro da iluminação pública, não sabe há quanto tempo a urbanização tem as luzes ligadas, mas garante que a autarquia não tem qualquer responsabilidade nisso. E diz mesmo que "não é preciso luz para iluminar os mortos" dos cemitérios vizinhos.
De acordo com o autarca, "a EDP recepcionou as obras em 2006", o que significa que, desde essa altura, as infra-estruturas da urbanização estão concluídas.
Ao contrário da EDP, o município ainda não tomou posse dos arruamentos e redes de saneamento, cuja construção cabe ao urbanizador, mas que, depois de construídos os prédios, se tornam propriedade da autarquia. Só nessa altura, garante Gabriel Oliveira, é que a factura da energia passa a ser paga pela câmara. Até agora, adianta, o caso tem a ver apenas com o urbanizador e com a EDP. "Aquilo é um sítio muito isolado e com muita prostituição, e provavelmente decidiram manter a rede em carga para tentar controlar o vandalismo e o roubo dos fios."
Problema nacional
José Sequeira, o director da distribuidora eléctrica na zona da Amadora, confirma a responsabilidade da EDP e não esconde a origem do problema. "É uma situação que nos incomoda também a nós, mas o vandalismo e o roubo de cobre representam muitos milhões de euros por ano a nível nacional", afirma.
Longe de ser um exclusivo da Amadora e da Vista Alta Village, a decisão de manter a electricidade ligada em urbanizações inacabadas ou sem quaisquer obras tem sido tomada em muitas outras regiões do país. "Face à recessão, os investidores retraem-se e não constroem. Há casos destes em Lisboa, Setúbal, Leiria, Porto e muitos outros", afirma o engenheiro da EDP.
"Temos a iluminação ligada para tentar contornar os roubos, porque alguns dos intervenientes são especialistas na matéria. Foi esta a opção que tomámos depois de avaliarmos a relação custo-benefício, e tem tido resultados positivos."
Segundo uma outra fonte da EDP, apesar de os cabos eléctricos estarem enterrados nestas urbanizações, os "especialistas" no furto do cobre conseguem roubar os transformadores e outros equipamentos instalados em cabinas próprias e até puxar os cabos subterrâneos para depois os cortar. "Manter a corrente ligada é apenas uma maneira de limitar os estragos."