Da Cool Britania ao Iraque, o legado do New Labour

a Era um Tony Blair com um aspecto impossivelmente jovem para quem o vê hoje - passaram-se 13 anos, mas olhando para as rugas e o cabelo branco dele parecem ter sido pelo menos 20. "Uma nova era chegou", dizia o novo primeiro-ministro trabalhista, que punha um ponto final em 18 anos no poder do Partido Conservador. "As coisas só podem melhorar" era o refrão da música da campanha eleitoral, que era também uma promessa de optimismo. Cumprida? Hoje a relação dos britânicos com a herança de Tony Blair - e com Gordon Brown, o herdeiro a quem em 2007 ele deixou o número 10 de Downing Street- não é nada pacífica. A invasão do Iraque, em 2003, e a relação de Blair com George W. Bush e os neoconservadores norte-americanos marcaram o quebrar dos laços entre o primeiro-ministro e o povo. Estranhamente, pois, apesar de existir uma comissão de inquérito sobre o processo que levou o Reino Unido a entrar na guerra do Iraque, este tema esteve quase ausente da campanha. Os tories não querem recordar aos eleitores que apoiaram a guerra.

Mas antes destes tempos difíceis, que marcaram o período em que Blair pareceu envelhecer anos em meses, e em que começou a sofrer do coração, foi um governante muito popular. Quando chegou ao poder, a Ben & Jerrys tinha acabado de lançar no Reino Unido um novo sabor de gelado, chamado Cool Britannia (baunilha com morangos e bolacha com cobertura de chocolate), que foi adoptada pelos media como o espírito de Londres na altura.

O espírito dos anos 1990, marcado pelas Spice Girls ou pelas bandas do movimento britpop, com os Blur ou os Oasis, designers e artistas gráficos de sucesso, como Alexander McQueen ou Damien Hirst, conjugados com um primeiro-ministro que conseguiu captar a imaginação do mundo serviram de bandeira, durante uns anos, para uma nova swinging London.

Dívida e desigualdade

Mas, para além desta espuma efervescente que coloriu o New Labour, o primeiro mandato de Tony Blair, recorda a revista The Economist, foi marcado por uma série de revisões constitucionais. Estas abriram portas à autonomia da Escócia e do País de Gales e, através de negociações mais delicadas, à Irlanda do Norte, após os acordos de paz da Sexta-feira Santa, em 1998.

Outra medida do primeiro mandato foi a introdução de um salário mínimo, em 1999 - uma medida muito contestada pelos conservadores e pelos industriais, mas hoje pacífica. Porém, durante este período, os britânicos endividaram-se como nunca - em 2007, tinham o nível mais alto de endividamento pessoal do G7, 175 por cento, num fenómeno relacionado com a compra de casa própria, segundos dados da Economist.

Quererá isto dizer que os britânicos estão mais ricos, vivem numa sociedade mais justa na distribuição da riqueza, como prometia Blair? Há algumas variações consoante o modo de cálculo, e algumas dizem que o Governo do New Labour conseguiu suavizar os desfiladeiros de desigualdades - mas estes são verdadeiros Grand Canyons.

O estudo oficial Anatomia da Desigualdade Económica no Reino Unido, que é alvo de uma recensão na London Review of Books, conclui que os lares britânicos que estão entre os 10 por cento que mais ganham têm quase 100 vezes mais dinheiro do que os que ficam logo acima dos dez por cento mais pobres do país.

Mas o New Labour foi largamente gastador nos serviços públicos - a educação foi a paixão confessa de Tony Blair, inspirando António Guterres em Portugal, e uma das promessas do líder trabalhista foi modernizar e melhorar o Serviço Nacional de Saúde (esta última com sucesso, diz a Economist). Segundo as tabelas divulgadas online pela revista Prospect, a despesa pública cresceu em média 4,4 por cento ao ano com o Labour entre 1997 e 2010 - e apenas 0,7 por cento com os tories, entre 1979 e 1997. Mas os trabalhistas deixam uma herança difícil, uma dívida pública a rondar os 12 por cento do produto interno bruto, mais elevada ainda que a da Grécia.

Só que a paixão pela educação, nota a Economist, não foi plenamente consumada: a proporção de jovens entre os 16 e os 18 anos que não estão na escola, em formação ou empregados continua estável, nos dez por cento. E muitos continuam a deixar a escola sem saber ler e escrever adequadamente.

Nos costumes, no entanto, os anos Blair e New Labour deixam uma marca indelével. "Em 1997, Bem Bradshaw era o único deputado gay. Na quinta-feira, só os tories apresentam 20 candidatos abertamente gay e 44 candidatos de minorias étnicas, e um número recorde de candidatos são mulheres", escreve o jornalista Gary Younge no Guardian.

"O New Labour e Tony Blair são exactamente a mesma coisa. Alguém imagina que o fenómeno tivesse acontecido sem ele?", opinou, no Guardian, o escritor Philip Pullman.

Tony Blair liderou o Reino Unido durante dez anos, mas é Gordon Brown quem defende hoje o legado do New Labour

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