"Como Desenhar um Círculo Perfeito" dá sequência a "Alice", o filme com que Marco Martins se estreou na longa-metragem. Dá sequência, e não apenas numérica: reconhecem-se alguns apontamentos estilísticos e/ou "atmosféricos" que parecem criar uma continuidade com "Alice". Por exemplo, o desenho da cidade feito de pura meteorologia invernal - húmida, escura, cinzenta - e o modo como os interiores (de que se diria serem mais predominantes aqui do que em "Alice"), preservando essas características, não estabelecem uma fronteira clara com os exteriores, como se fossem eles próprios dominados pela invernia citadina. Evidentemente, entre o clima e a definição psicológica das personagens as coincidências são tudo menos casuais, como se também para a dramaturgia as questões a resolver fossem, digamos, "nórdicas".
Nesta disposição para a bruma há alguma singularidade em "Como Desenhar um Círculo Perfeito", a mesma que havia em "Alice". Mas "Alice" tinha, porventura, uma narrativa mais coesa, ou pelo menos um centro narrativo mais forte. "Como Desenhar..." tem uma estrutura mais vaga, ainda que plenamente determinada - pois se o filme mostra, de facto, "como desenhar um círculo perfeito", a perfeição circular é a figura que mais se ajusta à evolução e ao desenlace do principal eixo da narrativa (a história dos dois irmãos). Narrativa de passagem (à idade adulta) e de descoberta, "Como Desenhar..." joga-se sobretudo na cabeça das personagens, em particular na do adolescente protagonista e na relação com os outros - especialmente a irmã e o pai (que, interpretado pelo granítico Daniel Duval, actor de Garrel e de Haneke, é a presença mais forte do filme). É aí que "Como Desenhar" revela alguma incapacidade para, além de uma ideia de atmosfera, encontrar a intensidade - a intensidade narrativa, mas também a intensidade visual: as imagens, os planos - que esteja à altura da profundidade psicológica que parece querer exprimir.
Fica-se com a ideia de um filme controlado, até demasiado controlado, que espera até ao fim por um momento libertador, por um gesto que o rasgue, que vire do avesso o seu torpor descritivo, que faça aparecer um desejo - não "o desejo", nem um desejo qualquer, mas o desejo do próprio filme.