Trabalho sobre a greve

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TPC: a greve. Há muitos tipos de greve sempre a acontecer. Quando estou mais cansado, ou fico triste, apetece-me fazer greve de palavras. Pré-aviso: vou entrar de greve às palavras do dia tantos ao dia tal, começo pelas mais alimentares... Mas é com palavras que levo comida para casa, há serviços mínimos decretados e não posso paralisar.

A greve mais estranha é a greve de zelo, que é esquizofrénica: distorce o direito à greve, o direito ao trabalho e, por assim dizer, o próprio Direito do Trabalho, há uma hilariante legislação para a explicar: "O abrandamento da actividade produtiva pela aplicação minuciosíssima, literal e chicaneira dos regulamentos existentes", escreve o prof. Bernardo da Gama Lobo Xavier. Isto é, "não há propriamente uma abstenção da prestação do trabalho, mas a sua aplicação em termos anormais". Imaginem o funcionário da alfândega abrindo as malas de todos os passageiros, conferindo os pêlos da escova de dentes, etc. Quando certos profissionais "resolvem dar um funcionamento rígido aos regulamentos dos serviços, causando assim enormes atrasos". A greve de zelo, portanto, não é ir para o trabalho e não fazer nenhum, é fazer de mais. As coisas param de tanto funcionar.

Há greves dramáticas como a greve da fome, que exige a quem a começa - por exemplo, o prisioneiro político - grande coragem e um sentimento de injustiça. Quando se leva a greve até ao fim, mesmo tendo razão, a boca do grevista cheira a acetona, como um frasco aberto, depois vem a morte.

Marca-se greve dos transportes quando os trabalhadores querem chegar a um lado contra a administração, um dia a greve pára e a vida segue, um pouco atrasada. Há greves extraordinárias às horas extraordinárias. Há pessoas que fazem greve à vergonha, como os gestores públicos que se pagam prémios a si. Há soldados que fazem greve à guerra e vão-se embora, mas chamam-lhes desertores, não grevistas. A greve mais interessante da História está numa peça de teatro coberta de fina grosseria (palavrões): Lisístrata, de Aristófanes. Há 25 séculos, o comediante cansou-se da guerra entre Atenas e Esparta e imaginou um grupo de mulheres descontentes com os maridos, sempre longe em batalhas. Lisístrata lança o pré-aviso, em conversa com Cleonice e Mírrina:

- Mulheres, se vamos obrigar os homens a fazer a paz, temos de abster-nos...

- Do quê? Diz.

- Vais fazê-lo?

- Fá-lo-emos, ainda que tenhamos de morrer.

- Pois bem, temos que abster-nos da piça. Por que dais a volta? Aonde ides? Ei, porque torceis a boca e abanais a cabeça? Por que mudais de cor? Por que chorais? Ides fazê-lo ou não? Porque vacilais?

- Não posso fazê-lo, que siga a guerra.

- Eu também não, por Zeus: que siga a guerra.

Mas decreta-se em segredo uma greve geral de sexo, regista-se forte adesão segundo os sindicatos e Atenas fica em paz.

No livro Estou em Greve (La grève de la vie, de Amélie Couture), a mãe de Lucy morreu, depois a avó, o pai casou de novo. A menina faz greve à vida no primeiro dia das férias do Verão, não fala nem nada. Mas, depois da sua passagem pelo vazio, sai do quarto.

Quando estou feliz não faço greve à vida, nem às palavras, na verdade falo bastante e digo aos amigos que sou amigo, e a quem gosto, que gosto. Fim. a

Escritor

rui.cardoso.martins@publico.pt

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