Thomas Hagan, o assassino de Malcolm X, é um homem arrependido

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Thomas Hagan depois de ser agredido no Audubon Ballroom CORBIS

Na prisão, desvinculou-se da Nação do Islão e formou-se em Sociologia. Agora foi para casa. Mas tal como aconteceu nos últimos 45 anos recusa falar publicamente do crime

Thomas Hagan, autor confesso do assassinato de Malcolm X, um dos mais controversos líderes do movimento pelos direitos cívicos nos Estados Unidos, deixou a cadeia um dia mais cedo do que pensava: a papelada referente ao seu 17.º pedido de liberdade condicional foi processada mais depressa do que era suposto. Quatro décadas depois de ter sido condenado a prisão perpétua, Hagan abandonou definitivamente o estabelecimento de segurança mínima, onde já só passava duas noites por semana.

A liberdade condicional foi concedida por causa do "profundo arrependimento" que Hagan manifestou pelo seu crime. A 21 de Fevereiro de 1965, Hagan, também conhecido como Talmadge X Hayer, membro do movimento separatista Nação do Islão, atirou sobre Malcolm X - que se distanciara daquela organização radical para fundar o seu próprio grupo nacionalista negro -, quando este subiu ao palco do Audubon Ballroom de Nova Iorque para fazer um discurso. A assistir na primeira fila da plateia estava a família de Malcolm X, incluindo as filhas e a mulher grávida de gémeos.

Acto de vingança

"Nunca devia ter feito isso", lamentou o prisioneiro, agora com 69 anos de idade.

Malcolm X tinha 39 quando foi abatido com 16 tiros de caçadeira que lhe acertaram em cheio no peito. O seu abandono e dissidência política da Nação do Islão foi a razão apontada por Hagan/Hayer para o atentado. "Foi um acto irreflectido de um jovem movido pelo ódio e por sentimentos de lealdade para com os seus líderes religiosos", declarou Hagan, num requerimento judicial de 2008.

Segundo explicou, na sua cabeça impregnada pelos ensinamentos da Nação do Islão, o assassínio justificava-se como um momento de vingança, um ajuste de contas, em defesa da honra de Elijah Muhammad, o histórico líder do movimento muçulmano radical, mentor do próprio Malcolm X - que em 1964 divergira publicamente da organização que antes representara e que, na sequência de uma peregrinação a Meca, mudara o nome para Malik Al-Shabazz.

"Malcolm X tinha-se separado da Nação do Islão e queria denunciar o movimento. As suas declarações sobre Elijah Muhammad andavam a agitar os espíritos e a criar controvérsia. Eu achava que eram caluniosas", recordou. "Na altura eu achava que estava a lutar pelo que era verdadeiro e justo", justificou-se ainda Thomas Hagan num depoimento que enviou aos tribunais em 1977 no qual pedia clemência para os dois homens que, com ele, foram condenados por terem participado na conspiração para matar Malcolm X e cuja inocência sempre reclamou.

Muhammad Abdul Aziz (ou Norman 3X Butler) e Kahlil Islam (também conhecido como Thomas 15X Johnson) foram declarados culpados do mesmo crime e passaram mais de 20 anos na cadeia. Graças ao depoimento de Hagan foram libertados em 1985 e 1987, respectivamente - quatro outros membros da Nação do Islão foram apontados como os homens que criaram uma manobra de diversão na plateia para que Hagan/Hayer pudesse chegar ao pé de Malcolm X. "Mas não posso dizer que alguém na Nação do Islão nos tenha dado instruções. Fizemos o que fizemos sozinhos", esclareceu o assassino confesso no mesmo testemunho.

Na prisão, Thomas Hagan estudou profundamente a sua religião, desvinculando-se da Nação do Islão, e formou-se em Sociologia. Depois de cumpridos mais de 20 anos de pena, entrou num programa de trabalho para reclusos: era funcionário num centro de alojamento para indigentes e sem-abrigo. Há 22 anos que podia ir dormir na sua casa de família em Brooklyn, mas tinha de passar os fins-de-semana na cadeia (ironicamente, na esquina da Rua 110 e do Malcolm X Boulevard, no mesmo bairro do Harlem onde ocorreu o assassinato).

Um mero "peão"?

"Ao longo de todos estes anos, tive muito, muito tempo para pensar em tudo o que aconteceu. Agora percebo bem melhor as dinâmicas dos movimentos como aquele em que estive envolvido: o que pode acontecer dentro de grupos fechados como o nosso, os conflitos que podem rebentar. Estou sinceramente arrependido da minha participação, de tudo o que fiz...", declarou perante o conselho prisional que avaliou o seu pedido de liberdade condicional [a citação foi obtida pela Associated Press a partir da transcrição do procedimento judicial].

Hagan nunca falou publicamente sobre o crime. E à saída da prisão manteve o silêncio. Nem uma palavra sobre as teorias alternativas para as motivações por detrás do assassinato que circulam há 45 anos: que este não seria a obra de um fundamentalista descontente, mas sim uma conspiração governamental para eliminar um líder político incómodo - Malcolm X alargara o foco dos seus discursos e, além da discriminação racial, punha em causa a política externa americana. "Não é possível entender o que se passa no Mississípi sem entender o que se passa no Congo. É a mesma coisa. São os mesmos interesses que estão em jogo", declarou.

As parcas e ambíguas explicações de Hagan, repescadas dos documentos relacionados com os sucessivos pedidos de liberdade condicional, só servem para alimentar as teorias da conspiração que vêem nele um "peão" de agentes bem mais poderosos. As viagens de Malcolm X por África e Médio Oriente tinham suscitado a atenção da CIA: o director Richard Helms dera carta branca para que fossem empregues "todos os meios necessários para monitorizar as actividades" do líder negro.

Um dos seus colaboradores, que pouco depois do assassinato deu conta ao FBI das suas suspeitas do envolvimento do Governo norte-americano no crime, foi misteriosamente encontrado morto no seu apartamento - uma morte que primeiro foi classificada como suicídio, depois atribuída a excesso de drogas e oficialmente registada como "de causas naturais".

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