A montadora que criou a vertigem de Bonnie e Clyde

Arthur Penn disse dela que era mais uma criadora do que apenas uma montadora de filmes. Com o seu trabalho, mudou o ritmo do cinema americano

Há, na história do cinema americano, um antes e um depois do momento em que nele intervém a montadora Dede Allen, que morreu no sábado, aos 86 anos, de ataque cardíaco.

Associada à equipa de realização de mais de uma vintena de filmes de alguns cineastas e actores marcantes dos anos 60 e 70 - como Arthur Penn, Sidney Lumet, Robert Rossen e George Roy Hill, ou Paul Newman, Warren Beatty e Robert Redford -, Dede Allen produziu uma viragem na linguagem cinematográfica além-Atlântico. E introduziu em Hollywood algumas das liberdades que então se tinham no cinema europeu.

Começou a montar filmes no final dos anos 50, tendo-se estreado com Homens em Fúria (1959), de Robert Wise. Mas será com Bonnie e Clyde (1967), de Arthur Penn, que registará essa mudança de rumo no papel da montagem - é também aqui que, pela primeira vez no cinema americano, um(a) montador(a) é referido(a) a título individual na ficha técnica e artística de um filme.

A sequência final, que encena a morte dos jovens assaltantes de bancos Bonnie Parker e Clyde Barrow, emboscados pela polícia numa estrada de Louisiana, é paradigmática dessa mudança de ritmo na montagem de uma história: em menos de um minuto, o ataque é reconstituído numa sequência que tem mais de 50 cuts, o que rompia com os modelos habituais de Hollywood. "Aquilo que essencialmente estávamos a fazer era a desenvolver um ritmo para que o filme tivesse a complexidade de uma composição musical", disse no sábado Arthur Penn ao Los Angeles Times.

"Foi durante a rodagem de Bonnie e Clyde que aprendi a confiar em Dede. Mais do que uma montadora, ela era uma criadora", acrescentou o realizador, que, com a sua colaboradora, trabalhou ainda em O Restaurante de Alice (1969), O Pequeno Grande Homem (1970), Um Lance no Escuro (1975) e Duelo no Missouri (1976).

Três vezes nomeada

Deste ano é também Um Dia de Cão, de Sidney Lumet, onde Dede Allen fez igualmente uma abordagem inovadora do tempo fílmico recorrendo a uma técnica próxima da música - com "o uso de um tempo staccato, com cortes bruscos na acção", como salientou ao Los Angeles Times o professor Greg S. Faller.

"Dede Allen cria-nos essa situação ameaçadora ao não cortar uma cena, quando esperamos que isso vá acontecer. Por norma, ela corta antes, e apanha-nos desprevenidos", acrescenta este professor de Estudos Fílmicos na Universidade de Towson, em Maryland.

Com o seu trabalho em Um Dia de Cão e também em Reds (1982), de Warren Beatty, e Wonder Boys - Prodígios (2000), de Curtis Hanson, Dede Allen foi três vezes nomeada para o Óscar. Mas a sua carreira foi apenas consagrada pelos seus pares da Associação de Montadores do Cinema Americano (1994) e da Motion Picture Editor Guild (2007).

Dede Corother Allen nasceu em Cincinnati, no Ohio, a 3 de Dezembro de 1923. Cedo abandonou a escola para trabalhar como tarefeira na Columbia Pictures, e demorou mais de década e meia até conquistar o lugar de montadora. Nos anos 90, ocupou um cargo executivo na Warner Brothers, e em 2008 assinou a montagem do filme Fireflies in the Garden, de Dennis Lee.

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