Turquia define futuro na ilha de Afrodite

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Talat, que aspira a um segundo mandato de cinco anos, aparece em segundo lugar nas sondagens MURAD SEZER/REUTERS

Uma vitória de Dervis Eroglu, defensor de dois Estados, dificultará uma solução para as disputas que há quase meio século dividem duas comunidades

Se o presidente Mehmet Ali Talat perder as eleições que amanhã se realizam na autoproclamada República Turca do Norte de Chipre (RTNC), todo o processo negocial para a reunificação da ilha pode recuar à estaca zero, e isso complica os planos de Ancara de aderir à União Europeia. "Os progressos têm sido demasiado lentos, e as pessoas perderam o interesse", avalia o académico Dervis Sözen, em entrevista ao PÚBLICO.

Dos sete candidatos, o favorito nas sondagens é Dervis Eroglu, conservador de linha dura que defende uma "união de dois Estados" e renega a "federação de duas comunidades" que o pragmático Talat vinha negociando desde 2008 com o homólogo cipriota grego, Dimitris Christofias - ambos socialistas. Eroglu é próximo do chamado deep state, o aparato kemalista secular turco; Talat é um protegido do AKP, no poder em Ancara, admite Sözen, nascido em Lefkosa (Nicósia) e professor de Relações Internacionais na Eastern Mediterranean University, em Famagusta, onde fundou o Cyprus Policy Center.

Ao veterano Eroglu, que foi seis vezes primeiro-ministro, são creditadas 52-53 por cento das intenções de voto dos mais de 164 mil eleitores. O limiar para evitar uma segunda volta, a 25 de Abril, é de 50 por cento. O antigo engenheiro Talat, que aspira a um segundo mandato de cinco anos, obteria menos ou pouco mais de 40 por cento. Isso mostra bem, segundo Sözen, "a desilusão popular", desde que, num referendo em 2004, o sucessor do "Senhor Não", Rauf Denktash, convenceu os cipriotas turcos a votarem a favor de um plano da ONU visando a reunificação, para depois verem recompensados os cipriotas gregos, que votaram contra mas foram admitidos na UE.

"Tenho 42 anos, e o problema de Chipre tem acompanhado toda a minha vida", diz-nos Sözen, por telefone, fazendo recuar o conflito ao trauma dos cipriotas turcos em 1963-64, quando foram obrigados a viver em enclaves - um tempo anterior ao trauma dos cipriotas gregos: a intervenção do Exército turco em 1974, no Norte, em resposta a um golpe inspirado por Atenas para anexar a ilha à Grécia. "Não quero ser pessimista, mas uma solução será mais difícil se Eroglu ganhar. Basta que ele abandone um dos parâmetros das negociações. Desse modo, estará a dar aos cipriotas gregos o pretexto para abandonarem as negociações, e culparem os cipriotas turcos."

Hugh Pope, analista em Istambul do International Crisis Group, não acredita que alguém ouse abandonar as negociações - muito menos os cipriotas gregos, "que deixaram de ter a situação a seu favor". Sem uma solução, frisa Pope, "todos perdem - a União Europeia não conseguirá abrandar as tensões greco-turcas no mar Egeu; será o fim do processo de adesão da Turquia à UE; os cipriotas gregos não se livram da presença dos [mais de 30 mil] soldados turcos no Norte, nem recuperam as propriedades perdidas [em 1974]; os cipriotas turcos continuarão isolados" - ou como observou a revista alemã Der Spiegel, permanecerão "o enteado da Europa".

Recados para todos

Talvez por isso, o comunicado conjunto que Talat e Christofias emitiram após a sua última reunião, realçando os avanços em vários capítulos, da partilha de poder à economia, tenha merecido um elogio público do chefe da diplomacia de Ancara. Um louvor descrito pelo jornal turco Hurriyet como "um recado a Eroglu" por parte do AKP. "Se for eleito, terá de continuar as negociações no ponto onde terminaram sem mudar o seu formato ou alterar questões já acordadas. Isto é uma má notícia, pois Eroglu sabe bem que o Norte de Chipre depende da Turquia, económica e politicamente; e a sua margem para agir de forma independente é muito limitada."

O primeiro-ministro grego, George Papandreou, por seu turno, durante uma recente visita ao Sul, também deixou recados aos cipriotas gregos, em particular aos parceiros de coligação de Christofias com as posições mais irredutíveis. Sözen subscreve outra análise do Hurriyet: "Devido a dificuldades económicas severas, a Grécia ficou enfraquecida na União Europeia e perante a comunidade internacional. Vulnerável como está, talvez não esteja disposta a continuar a apoiar os caprichos dos cipriotas gregos." O chefe de governo de Atenas terá ainda avisado que, "depois do Tratado de Lisboa, a Europa está a mudar", e Chipre "já não é a principal prioridade da Turquia".

Quais são os cenários se um acordo falhar, "porque a desconfiança mútua permanece elevada"? Previsões de Sözen: 1) um estatuto como o de Taiwan, em que a RTNC expande relações comerciais e voos directos com o resto do mundo, com um mínimo de reconhecimento internacional; 2) um estatuto como o do Kosovo, um Estado independente nascido de uma intervenção militar, reconhecido por alguns países; 3) ou um estatuto semelhante ao de Hatay, antiga Alexandreta síria, integrada no Sudeste da Turquia como província, em 1939.

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