Werner Schroeter: o cineasta que amava a ópera

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Werner Schroeter, o cineasta alemão que integrou a geração do Cinema Novo, ao lado de figuras como Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders e Werner Herzog, e que assinou uma obra extensa e marcada pelo imaginário operático, morreu na noite de segunda para terça-feira numa clínica de Kassel, com um cancro. Acabava de fazer 65 anos (nasceu no dia 7 de Abril de 1945). A notícia da sua morte foi comunicada à AFP por Sibylle Koch, uma das directoras do Schwules Museum em Berlim, que até 28 de Junho lhe consagra uma exposição de homenagem com o título Maria, Magdalena e todas as outras - estando aqui englobadas todas as mulheres com quem o realizador e encenador fez o mais importante da sua carreira, com especial destaque para Magdalena Montezuma, a actriz que lhe marcou a obra e também a vida.

O realizador rodou em Portugal O Rei das Rosas (1986), Duas (2002, com Isabelle Huppert, outra das suas actrizes de eleição, em dose dupla) e Esta Noite (2008), três filmes produzidos por Paulo Branco, que também o homenageou na 1.ª edição do Festival de Cinema do Estoril, em Novembro de 2008. O director artístico do festival, que foi amigo pessoal de Schroeter, manifestou ontem a sua tristeza ao receber a notícia da morte do cineasta. "Sabia-se que estava doente, mas ele tinha um tal poder de resistência e de amor à vida que eu pensava que a fase pior tinha sido ultrapassada", disse ao P2. O produtor revela dever a entrada no mundo do cinema ao fascínio que sobre ele exerceram os primeiros filmes de Schroeter que viu em Paris, na década de 1970. "Nessa altura, cheguei mesmo a fazer-lhe uma entrevista para uma revista, que nunca foi publicada." A relação de ambos cimentou-se, depois, com a rodagem de O Rei das Rosas, em Sintra, o último trabalho que Schroeter faria com a sua "diva" Magdalena Montezuma (1943-1984), que o acompanhava desde as primeiras experiências cinematográficas, ainda em 16mm, nos finais da década de 60.

Paulo Branco recorda a rodagem atribulada dessa obra, em parte por causa da doença que viria a vitimar a actriz (morreu menos de um mês depois de terminadas as filmagens). E vê, agora, o conjunto da obra de Schroeter como a de "um dos maiores artistas da segunda metade do século XX", que se destacou entre a geração do Novo Cinema Alemão. "Schroeter fez uma procura constante e sistemática da beleza, assumindo permanentemente o risco artístico dessa busca. O próprio Fassbinder dizia que ele era o melhor de todos eles", diz Paulo Branco.

Filmes exuberantes

Para o crítico e programador Augusto M. Seabra a obra do artista alemão também merece destaque: "Era um dos maiores cineastas vivos. Os seus filmes, exuberantes, são fortemente marcados pelo lado excessivo próprio da ópera, que ele também encenou, mas também pela voz humana, verdadeira matriz do seu cinema."

O "amor de Schroeter pela ópera" de que fala Seabra começou por manifestar-se logo nos seus primeiros filmes, nas curtas-metragens documentais que dedicou a Maria Callas, no final dos anos 60, entre Callas Walking Lucia e Maria Callas Portrait. Nas inúmeras óperas que Schroeter viria depois a encenar estão títulos como Salomé, de Richard Strauss (Teatro de Belas-Artes da Cidade do México, 1986), Lady Macbeth, de Chostakovich (Oper der Stadt de Frankfurt, 1993), Carmen, de Bizet (Staatstheater Darmstadt, 1999), ou Tosca, de Puccini (Ópera da Bastilha, Paris, 2007). No teatro, nas mais de meia centena de peças que dirigiu estão textos de Luigi Pirandello, August Strindberg, Yukio Mishima, Jean Racine, Jean Genet, Tennessee Williams e Heinrich von Kleist.

Já no cinema, Schroeter teve momentos altos de reconhecimento da sua obra com o Leão de Ouro Especial do Júri do Festival de Veneza (o prémio carreira, em 2008) e o Urso de Ouro no Festival de Berlim (1980) pelo filme Palermo ou Wolfburgo.

Lirismo operático

Jorge Silva Melo, que conheceu Schroeter pela mão do protagonista do seu filme Ninguém Duas Vezes (1985), o actor Michael König - "era um companheiro dele da juventude boémia de Munique" no final dos anos 60, explica -, vê no cinema de Schroeter "um lirismo operático excessivo e às vezes mesmo barroco e kitsch, muito difícil de imitar". E destaca a importância que teve, para o conjunto da sua obra - no cinema, a partir de Palermo ou Wolfburgo, sobre a vida de trabalhadores italianos na Alemanha-, o contacto com a Europa do Sul, primeiro, a Itália, depois também Portugal. "Para ele, a vida verdadeira está no Sul e no sol", acrescenta Silva Melo, que vê Schroeter como "o mais secreto, lírico e marginal" membro da geração do Novo Cinema alemão. "Ele tinha uma morbidez doce", diz o encenador e actor, admitindo conhecer mal a última parte da sua filmografia. "Gostava muito que a sua obra lhe sobrevivesse."

Vasco Pimentel, operador de som que trabalhou com Schroeter em vários momentos desde O Rei das Rosas, diz ter aprendido mais com ele do que com qualquer outro realizador. "Ele trabalhava sempre nos limites, a sua arte brotava directamente do coração e das veias para a câmara e para o ecrã", diz. E conta um episódio que documenta bem essa faceta obsessiva do alemão: na rodagem de O Rei das Rosas, em Sintra, a certa altura o "sangue" que a maquilhadora tinha para filmar uma cena não era suficiente; era já noite, e alguém da equipa se prontificou a ir procurar junto de uma casa uma galinha para a matar e conseguir o sangue necessário para o efeito, "mas, antes que ele chegasse, Werner pegou numa lâmina, cortou o próprio braço e utilizou o seu sangue para completar a cena".

A Medeia Filmes, distribuidora de Paulo Branco, vai homenagear Werner Schroeter com a exibição em Lisboa, no Cinema King, entre 15 e 21 de Abril, dos filmes por si produzidos e também Malina (1991, outra vez Huppert). O programa é o seguinte: O Rei das Rosas (dias 15 e 16), Malina (dias 17 e 18), Duas (dia 19) e Esta Noite (20 e 21). A seguir, e no âmbito de um ciclo sobre o Novo Cinema Alemão, os mesmos filmes serão exibidos no Porto, no Cine-Teatro do Campo Alegre, entre 22 de Abril e 9 de Maio.

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