Malcolm McLaren Elevando a provocação a arte1946-2010

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A banda de corbis

Enquanto manager, juntou os Sex Pistols e orquestrou-lhes o sucesso e a queda. Com eles, mudou a história da música, com Vivienne Westwood, transformou a moda

Os Sex Pistols acabaram em 1978, durante uma caótica digressão americana. No último concerto, Johnny Rotten deixou o palco com uma pergunta: "Alguma vez tiveram a sensação de estar a ser enganados?" Dirigia-se ao público e a retórica era Rotten a auto-sabotar a própria banda. Mas a pergunta era também apontada a Malcolm McLaren, o manager que os reunira na sua boutique londrina e que, depois da ascensão meteórica dos Pistols, seria por eles acusado de desfalque financeiro e de, perversamente, lhes ter orquestrado a queda.

"Malcolm McLaren é o homem mais malvado à face da Terra", dispararia mais tarde Johnny Rotten. O que não impediu os Sex Pistols, que se reuniram em 1996, de continuarem a creditá-lo como manager. Mesmo os que se sentiam usados por ele, reconheciam-lhe o génio.

McLaren, provocador supremo, morreu na manhã de quinta-feira na clínica suíça onde se encontrava a receber tratamento para um cancro, diagnosticado em Outubro passado. Até ao final de Fevereiro, quando a sua situação clínica se agravou definitivamente, trabalhava num novo projecto, uma videoinstalação dedicada a cem anos de publicidade francesa por onde passariam filmes dos Lumière, de Max Ernst, Jacques Tati, Jean-Luc Godard ou Jean Renoir. A sua namorada, Young Kim, descreveu a obra à revista New Yorker como "espirituosa, bela e intelectual - mas divertida". McLaren apreciaria certamente tais adjectivos. John Lydon, Rotten enquanto Sex Pistols, recordava-o ontem ao jornal The Independent: "Era acima de tudo um entertainer e irei sentir a sua falta, tal como vocês deverão sentir."

O punk e uma boutique

Num mundo pós-Warhol, McLaren definia-se enquanto "artista que utiliza os media como tela". Inspirado pela Internacional Situacionista, desdenhoso da modorra politicamente correcta da burguesia, irrequieto e hiperactivo, manipulador genial, polémico, contraditório e egocêntrico dado a sonhos de grandeza, deixou a sua marca, indelével, no último quartel do século XX. Quer nos bastidores, definindo tendências com a sua primeira mulher, a estilista Vivienne Westwood, e enquanto manager dos New York Dolls e dos Sex Pistols, quer num multifacetado trajecto a solo que, nos anos 1980, tanto prenunciou a ascensão fulgurante do hip hop (o singleBuffalo Gals) como promoveu cruzamentos inesperados (valsa e funk em Waltz Darling) em busca de novos sentidos, em busca de algo inédito e excitante.

Malcolm McLaren nasceu em Londres em 1946 e foi estudante de diversas escolas de arte até delas desistir em 1971 (preferiria ser "um falhado extravagante que qualquer tipo de sucesso benigno"). Nesse mesmo ano, inaugurou com Vivienne Westwood, em King"s Road, a boutique Let It Rock. A reunião do talento visionário dela aos anseios agitadores dele transformaria a loja, alguns anos depois, no epicentro de algo novo. Quando a Let It Rock já tinha sido rebaptizada SEX, promovendo as criações trash de Westwood e agregando personagens da emergente comunidade punk, McLaren apresentou à banda que agenciava, The Strand, aquele que seria o seu futuro vocalista. Com a chegada de Johnny Rotten, nasciam os Sex Pistols. Com os Sex Pistols, McLaren conseguiu aquilo que, anos antes, falhara nos americanos New York Dolls (vesti-los com napa vermelha e decorar-lhes o palco com bandeiras socialistas não provocou o efeito desejado). Retrospectivamente, consideraria que "a popularidade do punk" se deveu a "ter tornado belo o horrível".

Alfinetes na rainha

Em dois anos, com McLaren a aproveitar a anárquica ferocidade dos Sex Pistols para os guiar de polémica em polémica, tudo mudou. Com os Pistols a espetarem alfinetes-de-ama em si mesmos e em Elizabete II, no ano do jubileu da rainha, com os Pistols a praguejar em directo na televisão, mudou a moda e a música, mudou a noção pública de um descontentamento juvenil latente, vasto, perante o mundo em volta. Esse, no fundo, era o grande talento de McLaren. Aperceber um pulsar subterrâneo e amplificá-lo de forma bombástica. Deflagrada a bomba, seguia em frente - digamos que não lhe agradava assistir à aculturação do caos. Por isso, depois da aventura com os Sex Pistols, virou-se para o artifício dos Novos Românticos e tornou-se manager de Adam Ant. Nos anos seguintes, trabalhou com Boy George e lançou os Bow Wow Wow, antes de se lançar numa carreira a solo de que resultaram obras como Double dutch ou a supracitada Waltz Darling.

Nos anos 1960, o estudante de arte McLaren escreveu o seu manifesto: "Sê infantil. Sê irresponsável. Sê desrespeitador. Sê tudo o que esta sociedade detesta." Uma década depois, enquanto assistia entusiasmadíssimo ao sucesso e às polémicas dos Sex Pistols, acrescentou ao manifesto um mote: "Dinheiro do caos" - provocador, dizia ser esse o seu objectivo. No seu caso, não havia contradição de termos.

Em 1989, a sua editora de então, a EPIC, investiu milhões no álbum Waltz Darling. Entrevistado pela revista Q, McLaren promoveu-o à sua maneira. "Fazer álbuns não é importante o suficiente", declarou então. "Faço estes disquitos e sinto-me um joalheiro." Prosseguiu: "Inventei os Sex Pistols para vender calças, pá. E vendi muitas calças. Hoje em dia estou apenas a fazer poses." Depois, suspirou: "Não sei qual é a solução, pá. Não sei mesmo..." McLaren, aborrecido, procurava a próxima provocação.

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