Messi vai ser (ou já é?) o melhor jogador de todos os tempos

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O melhor jogador de todos os tempos? Albert Gea/Reuters

A discussão não é nova, mas ganhou outros contornos depois do poker (ninguém marcava quatro golos na Champions desde 2005) e do futebol de PlayStation de Messi, que permitiu ao Barcelona destroçar por completo o Arsenal. As prestações de Messi podem ainda servir para estragar por completo a época ao melhor jogador e ao melhor treinador portugueses de todos os tempos. Prematuramente afastado da Liga dos Campeões, o Real Madrid de Ronaldo recebe amanhã o Barcelona, num confronto titânico que é bem capaz de definir o próximo campeão espanhol. No que diz respeito a Mourinho, as coisas são um pouco diferentes. O Inter de Milão até segue na frente do calcio (agora apenas com ligeiras vantagens sobre a Roma e o Milan), mas nem a conquista de mais um scudetto será suficiente para satisfazer a gula do presidente Massimo Moratti, que há muito sonha em repetir o feito do seu pai e conquistar a Champions. Mas, para o conseguir, Mourinho vai ter de se haver, ainda este mês, com o Barcelona, essa máquina trituradora burilada por Josep Guardiola, que reinventou um novo conceito de futebol, mesmo que partindo de um sistema táctico (4x3x3) a que nem sempre se dá o devido valor.

De facto, é incrível a facilidade com que os pequenotes Xavi, Bojan, Iniesta, Pedro e, claro, Messi baralham e batem adversários com o dobro do tamanho e do peso. Tudo com aquele futebol inebriante e belo, feito de toque-toque. Dá uma falsa ideia de facilidade, porque só é possível de conseguir com jogadores inteligentes e técnica e tacticamente sobredotados, não sendo por acaso que todos eles fizeram a formação no Barcelona.

Jogar no Barça é, por isso, uma grande vantagem para Messi, que beneficia de uma equipa com um raríssimo sentido colectivo, ao contrário da realidade com que se depara Ronaldo no Real, um somatório de individualidades, algumas delas, ainda por cima, sem a qualidade suficiente para servir um clube e dirigentes com ambições desmesuradas.

Santiago Segurola reflectia ontem na Marca sobre o que separa Ronaldo de Messi. Dizia então que se Leonardo da Vinci tivesse querido fazer um esboço do futebolista perfeito teria criado algo à imagem do jogador português, que parece "criado em laboratório". Tem as "medidas perfeitas para uma aceleração e uma potência insuperáveis, equilíbrio e finta, salto e remate, tiro com os dois pés, um físico, em definitivo, que lhe permite todas as artes do jogo". Faltou-lhe apenas acrescentar o profissionalismo ímpar de Ronaldo, que ainda há dias foi apanhado a treinar sozinho no centro de estágio quando todos os companheiros gozavam a folga.

Ao invés, acrescenta Segurola, Messi surgiu das Mil e Uma Noites. "É o génio da lâmpada. Não encaixaria no ideal de Da Vinci, mas no do futebol, sim", sublinha o jornalista espanhol. E, acrescento eu, é precisamente à conta dessa capacidade de tornar viável o que parece impossível que Messi acabará por fazer parte da galeria dos verdadeiramente imortais. Porque só ele consegue fazer, frente aos defesas mais competentes e intratáveis, e sob o olhar de 100 mil espectadores, o que todos nós sonhámos um dia conseguir nos recreios das escolas. E fá-lo exactamente com a mesma alegria e desprendimento do miúdo sonhador que todos fomos um dia. Repararam na forma como, logo após o fim do jogo com o Arsenal, acariciava e batia a bola com as mãos, enquanto à sua volta se viam os colegas de equipa a venerá-lo? E ele lá continuava, meio envergonhado, a tratar com carinho o esférico, como se este também tivesse colaborado voluntariamente na sua noite de sonho. É também à custa destes traços de personalidade, de uma humildade que se percebe ser tão natural como a sua relação com a bola, que Messi cria laços extraordinários de afectividade com os adeptos, do Barcelona ou apenas do bom futebol.

Messi tem apenas 22 anos e já é o melhor marcador na Champions na história do clube catalão, com 25 golos, mais dois do que o brasileiro Rivaldo. Nos pouco mais de seis anos de carreira profissional (estreou-se em Novembro de 2003, na inauguração do Estádio do Dragão), a "pulga" argentina já marcou 119 tentos com a camisola azul-grená, sendo o sétimo melhor marcador do Barcelona. Leva ainda marcados 13 golos nas 43 internacionalizações pela selecção principal argentina. No seu currículo, constam um título mundial de clubes, duas ligas dos campeões, uma supertaça europeia, três ligas espanholas, uma Taça do Rei e uma Supertaça de Espanha. Pela Argentina, já se sagrou campeão do mundo de sub-20 (prova em que foi o melhor jogador e marcador). E já tem em casa o prémio da FIFA para o melhor jogador do mundo e uma Bola de Ouro do France Football, conquistas que dificilmente deixará de repetir esta época.

Claro que os fiéis a Maradona (grupo em que também me incluo) e a Pelé podem contra-argumentar. Tanto um como o outro jogaram 21 anos - o brasileiro estreou-se profissionalmente com 15 anos e, aos 17, já tinha vencido o primeiro dos seus três títulos mundiais. Pelé marcou 1281 golos em 1363 jogos e Maradona ficou-se por 345 tentos em 692 partidas. O brasileiro fez ainda 97 golos em 96 jogos pelo Brasil, enquanto Maradona marcou 33 nas 90 internacionalizações pela sua selecção.

Do ponto de vista físico, Pelé era mais completo do que Maradona, que mede menos três centímetros do que Messi (1,69m). Pelé e Maradona calçavam o mesmo número (39), mas o brasileiro, sendo destro, chutava bem com qualquer pé, enquanto Maradona fazia tudo com a perna esquerda - e só com a esquerda. Messi também é canhoto, mas consegue fazer maravilhas com a direita e ganha claramente ao seu compatriota no jogo aéreo, como se viu na final da Liga dos Campeões com o Manchester.

Pode questionar-se a menor exposição mediática, designadamente ao nível das transmissões na TV, de que beneficiaram Maradona e principalmente Pelé, uma lenda viva principalmente à custa dos relatos radiofónicos. Mas hoje qualquer um de nós pode ter acesso a imagens do craque brasileiro, recorrendo, por exemplo, ao filme Pelé Eterno. Aí, mesmo que por vezes através de recreações gráficas, é possível descobrir algumas jogadas geniais, como quando marcou um golo de cabeça à Juventus, depois de ter executado quatro "chapéus" a outros tantos adversários. Foi após um belo golo seu no Maracanã, em 1961, que surgiu a conhecida expressão "golo de placa". De Maradona nem vale a pena estar a enumerar, tantos foram os lances de génio, a começar pela jogada em que deixou pelo caminho quatro ingleses e deitou o respectivo guarda-redes, antes de apontar aquele que muitos consideram o golo mais bonito que alguma vez se viu num estádio.

A verdade é que Messi, aos 22 anos, já fez coisas tão ou mais belas. E fá-lo hoje, em que há muito menos tempo e menos espaço do que havia no tempo de Maradona e incomensuravelmente menos do que acontecia na época em que Pelé se passeava nos relvados. Ainda não ganhou nenhum título mundial? E, se calhar, não vai ser fácil consegui-lo tão cedo numa selecção entregue aos desatinos do seleccionador Maradona. Mas nem isso impediu um insuspeito jornal inglês (Daily Mail) de registar, há dias, o que começa a parecer óbvio: "Primeiro foi Pelé, depois Maradona, agora saudemos o novo rei".

O apresentador brasileiro Milton Neves disse um dia na TV Record que "vamos ter um novo Maradona a cada 200 anos; Pelé nunca mais". Enganou-se duplamente.

bprata@publico.pt
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