Autora de atropelamentos no Terreiro do Paço condenada a três anos de prisão efectiva
O tribunal das varas criminais de Lisboa considerou que a produção de prova “não deixou quaisquer dúvidas dos factos” constantes na acusação e que “foram preenchidos todos os elementos” dos crimes que foram imputados à arguida. O advogado de Maria Paula Dias já anunciou que vai recorrer da sentença.
Para o colectivo de juízes, a arguida, que ficou também inibida de conduzir por um ano, “violou os mais elementares deveres de cuidado” quando circulava entre 111 a 123 quilómetros por hora no Terreiro do Paço, de acordo com um estudo do Instituto Superior Técnico, na madrugada de 2 de Novembro de 2007.
Na fundamentação da sentença, o tribunal alegou não ter sido encontrado qualquer indício de que o despiste da viatura tenha sido provocado por um factor externo ou por uma causa imprevisível alheia à condutora, lembrando que não haviam sido identificadas deficiências no carro, detectado num radar a 122 quilómetros por hora quatro quilómetros antes.
"Frieza afectiva"Além da “culpa de grau particularmente elevado” e da “velocidade completamente desadequada”, o colectivo da 1.ª vara criminal concluiu que a arguida não assumiu responsabilidades no acidente, no qual os dois corpos ficaram desmembrados, e “não mostrou arrependimento”, mas antes uma “frieza afectiva”, um sentimento de auto comiseração e “preocupação consigo própria”. “As declarações da arguida não tiveram qualquer credibilidade. Pretendeu dar uma imagem segura de si própria, realçando as suas capacidades intelectuais e sociais”, disse a juíza que presidiu ao colectivo, referindo não existirem motivos para a suspensão da pena.
Durante a leitura da sentença, a responsável sublinhou por várias vezes a “elevada necessidade de prevenção geral” relativamente à sinistralidade nas estradas portuguesas. Maria Paula Dias foi absolvida das contra-ordenações relativas ao Código da Estrada e condenada a dois anos de prisão por cada homicídio e um pelo crime de ofensa à integridade física, mas o tribunal decidiu ponderar as punições numa pena única de prisão de três anos e na inibição de condução por um ano.
O advogado afirmou que a decisão não o surpreendeu “rigorosamente nada”, tendo em conta o decurso do julgamento. Ainda assim, Paulo Camoesas considerou que foi dado um maior peso a questões de “ordem subjectiva” e disse não compreender as referências à frieza da cliente, referindo, por exemplo, que a cliente se “desfez em lágrimas” durante depoimentos de testemunhas.
O Ministério Público tinha pedido pelo menos dois anos e meio de prisão efectiva. Maria Paula Dias, de 37 anos e sem antecedentes criminais, estava acusada de dois crimes de homicídio por negligência (de duas mulheres de 20 e 57 anos) e um crime de ofensa à integridade física, também por negligência, que deixou uma terceira mulher, mãe da vítima de 20 anos, incapacitada para trabalhar. A arguida incorria ainda em várias contra-ordenações relativas ao Código da Estrada.
Ao longo do julgamento, iniciado há cerca de um mês, Maria Paula Dias disse que deveria circular a cerca de 50 quilómetros por hora no Terreiro do Paço (na altura com limite de velocidade de 30 quilómetros devido a obras) e negou estar cansada ou com défice de atenção na madrugada de 2 de Novembro, apesar de, nessa noite, não ter dormido.
Carro ganhou “vida própria”No seu depoimento, afirmou que o carro ganhou “vida própria” após um despiste que não conseguiu justificar e, consequentemente, maior velocidade, mas alegou ter tido a “preocupação de controlar” a viatura quando esta lhe “fugiu das mãos”.
Para o Ministério Público, a acusada revelou uma postura “minimalista e calculista” e “não assumiu qualquer responsabilidade criminal, apenas contra-ordenacional”. O procurador recordou em tribunal que o carro de Maria Paula foi detectado a 122 quilómetros por hora quatro quilómetros antes, na Avenida Infante Dom Henrique (com limite de 50 quilómetros/hora), e baseou-se num estudo do Instituto Superior Técnico que coloca a arguida a uma velocidade entre 111 e 123 quilómetros por hora no Terreiro do Paço.
Para o advogado da sobrevivente Rufina Rocha, mãe da vítima de 20 anos (Neuza Soares), a “pesada” sentença foi um “aviso para a sociedade” de que não estava à espera: “Estava convencido de que seria menor e com suspensão”, disse Branco da Silva.
Já João Ferreira da Conceição, advogado da família da vítima de 57 anos (Filipa Borges), afirmou que a decisão foi “bem fundamentada”, mas não a entendeu como um exemplo. Ausente do julgamento esteve Rufina Rocha, que regressou a Cabo Verde depois de concluído o processo de indemnização. Também a família de Filipa Borges já foi indemnizada.
Notícia actualizada às 13h37