Cineclube do Porto quer levar o cinema para as ruas da cidade
Regularização da dívida de 50 mil euros ao Instituto do Cinema e do Audiovisual e início de novas actividades são as prioridades
Um mês após a nova direcção do Cineclube do Porto ter tomado posse, os seus membros traçaram como prioridades a regularização da dívida ao Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), de cerca de 50 mil euros, que as Finanças já deram ordem de execução, e o arranque das actividades regulares do clube. O presidente, José António Cunha, em conversa com o PÚBLICO, mostrou-se optimista quanto ao futuro da associação e sublinhou que, no espaço de um ano, "não chega ter as dívidas a zero". O responsável pelo clube quer ter as contas "com saldo positivo".
Antes das eleições de 6 de Fevereiro a direcção anterior, liderada por Brígida Velhote, com o apoio da que agora tomou posse, tentou negociar com o ICA a dívida que resultou de um subsídio atribuído pelo organismo para reabilitar a Sala Aurélio Paz dos Reis, na sede da associação. Tendo em conta o "estado degradado" do edifício arrendado, "não se justificava o investimento" e ficou decidido que o montante do subsídio ficaria depositado numa conta bancária, para que pudesse ser canalizado para a possível recuperação de uma outra sala externa às instalações. Devido à especificidade dos fundos do ICA a alternativa não foi aprovada. Os 30 mil euros cedidos pelo organismo, que com juros de mora passaram a cerca de 50 mil, vão, segundo José António Cunha, ser pagos parcelarmente. "Em termos financeiros este é o nosso único problema", afirma. Afasta, no entanto, qualquer pessimismo e diz que assim que for retomada a actividade do clube, já agendada para Abril, "gerar-se-á receita para cumprir todos os compromissos". Contudo, não será com o dinheiro das cotas dos sócios, que neste momento são apenas 55, "resultado da inactividade do cineclube nos últimos anos", ou com a receita das actividades que se resolverá a situação financeira. "O clube funcionará numa lógica de parceria público-privado", explica. A nova direcção acredita que assim que o clube inicie uma programação regular "naturalmente despertará o interesse de potenciais parceiros públicos ou privados". De resto, adianta que, "apesar de ainda não existir nenhuma proposta consolidada", já existem algumas empresas interessadas em financiar o projecto. Pela outra via, afirma que alguns dos subsídios de que o ICA dispõe estão "perfeitamente alinhados com o ponto de vista do cineclube", o que acredita ser uma mais-valia.
Não obstante o optimismo, o mau estado de conservação da sede continua a ser um contratempo. "A sala está completamente degradada e não nos compete a nós fazer obras", ressalva. José António Cunha remete esta responsabilidade para o senhorio colectivo do prédio, que ainda não se disponibilizou para qualquer intervenção. A solução pode passar por encontrar outro espaço. O presidente do cineclube afirma que "têm sido feitas algumas diligências no centro do Porto", local que considera ideal. "O que procuramos é um espaço em bom estado, que nos assegure as condições mínimas de trabalho", sustenta. O responsável não considera imperativo que o novo espaço esteja equipado com uma sala de exibição, "até porque o que é pretendido é levar o cinema para a rua", aproveitando os espaços que já existem, para "envolver os cidadãos com o cineclube".
A nova direcção "necessita apenas de um espaço que garanta o estado de conservação do espólio, que conta com aproximadamente 90 filmes, entre outros documentos, uma sala de consulta do mesmo e uma sala de trabalho". Um grupo de alunos da escola profissional Árvore foi recrutado para limpar algumas películas, arquivar e catalogar o espólio do clube que "na sua maioria se encontra em bom estado". Da documentação existente, entre outras peças de relevo, faz parte a primeira versão do guião do filme Corações Pequeninos, de Manoel de Oliveira, mais tarde Anikibobó. A direcção pretende formar uma equipa de restauro e conservação de filmes para operar em toda a zona norte, tendo em conta que em Portugal só "há uma equipa capaz de o fazer". Além desta intenção, têm em mente a formação de projeccionistas. "Queremos criar as bases para que haja gente formada e para se agregarem todas as pessoas que fazem cinema na região." José António Cunha diz haver, no Porto, cinema "de muita qualidade", mas que não tem a projecção devida. O cinema que vai conhecendo de autores da cidade vê-o "em computadores portáteis na esplanada de um café" ou "em caves de bares". Por isso mesmo, entende que a longo prazo o cineclube "terá que ser o elo responsável para a criação de uma indústria organizada, mas ao mesmo tempo diversa".
Nesse sentido entende ser importante a recuperação da designação original de Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto "para restituir a função do clube", que pretende estender-se a todo o território regional, o que por sua vez "o tornará num clube nacional". Este é para si o primeiro passo para atingir uma das metas, que é "divulgar o cinema nacional além-fronteiras", através de projectos internacionais "que o cineclube tem na manga".