A médica que ajudou a salvar pés de diabéticos recebeu prémio
Só em 2008 foram contabilizadas cerca de 1500 amputações de diabéticos. A taxa de amputação no país é de oito por cento, o ideal é chegar aos 3,5
Beatriz Serra lembra-se de ler um artigo que falava da criação da primeira consulta de pé diabético em Inglaterra. Nessa altura, em 1987, no seu hospital, o Santo António, no Porto, tal como em todo o país, quase todos os diabéticos que entravam com feridas infectadas nos pés eram amputados. Os doentes chegavam já em situação tão grave que "nem sequer era pelo pé, nem pelo joelho, muitas vezes eram amputados pela coxa", recorda a endocrinologista que ontem recebeu o 4.º Prémio Sanofi-Aventis/Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), o maior galardão nacional na área, no valor de 7500 euros.
O pé diabético é uma das complicações da diabetes. Ao fim de alguns anos da doença, os nervos do pé podem ficar afectados e "o doente deixa de conseguir sentir uma pedra, uma botija de água quente ou uma ferida nos dedos". Como as artérias entopem, o sangue deixa de chegar ao pé, dificultando a cicatrização. Naquela altura, falava-se na diabetes como origem de cegueira, de complicações nos rins, mas pouco ou nada no pé diabético, recorda.
"Tratava-se quase sempre de modo grosseiro, com a amputação", refere a médica de 66 anos, reformada do serviço público há quatro anos, e que decidiu em 1987 criar a primeira consulta hospitalar multidisciplinar (Endocrinologia, Ortopedia e Cirurgia Vascular) de pé diabético no país. Logo nesse ano as amputações dos membros inferiores diminuíram 50 por cento. Devido à consulta, "há seis, sete anos no Norte amputava-se menos de metade do que nas restantes regiões do país".
"Chegámos a ter seis mil doentes num ano e a ver 50 e tal numa manhã." Muito mudou, hoje há centros de saúde e hospitais com consultas de prevenção ou especializadas. Mesmo assim, só em 2008, foram contabilizadas cerca de 1500 amputações de diabéticos, referiu José Manuel Boavida, presidente da SPD, no 9.º Congresso Português de Diabetes, que ontem terminou em Vilamoura. Beatriz Serra refere que no Santo António se amputam hoje três a quatro por cento dos doentes, "no país a taxa é de oito por cento. Ainda não é o ideal, gostaríamos de chegar aos 3,5 por cento", conclui a endocrinologista.