Quando, já lá vão uns anitos largos, Peter Jackson foi a Hollywood pela primeira vez, nem o apadrinhamento de Robert Zemeckis garantiu o êxito à sua comédia de terror "Agarrem Estes Fantasmas" (1996). No interim, houve o triunfo global da trilogia do "Senhor dos Anéis" (2001-03) e a sua reinvenção inspirada mas pouco unânime de "King Kong" (2005) - mas nem isso, nem o apadrinhamento de Steven Spielberg, que abençoou pessoalmente o desejo de Jackson rodar a adaptação do romance de Alice Sebold, salvaram "Visto do Céu". Que, de um dos filmes de estúdio mais aguardados de 2009 (sobretudo porque já estava praticamente pronto desde 2008 e o estúdio tomou a decisão de o desviar com vista à temporada dos prémios 2009), se tornou num "filho enjeitado", mal acolhido pela crítica e recebido com indiferença pelo público - e, humilhação suprema, ignorado pelos Óscares aos quais se estava a fazer a jeito.
Este tipo de trajectórias em montanha russa têm, não poucas vezes, algo de injusto e é isso que incomoda na resposta a "Visto do Céu". É verdade que o novo opus de Jackson não está à altura do que o cineasta fez antes, e é inevitável compará-lo ao "Heavenly Creatures" (1994) que fez a maior parte das pessoas perceber que havia aqui um cineasta mais do que o praticante do cinema de género que até ali existia. Mas não é a catástrofe anunciada, e as reacções negativas parecem algo empoladas perante um filme que se esforça por encontrar um tom fora do comum, um equilíbrio difícil e precário entre dois géneros com tradição em Hollywood - as fantasias românticas sobrenaturais (com "Ghost - Espírito do Amor", 1990, Jerry Zucker como exemplo possível) e os dramas familiares sérios (estamo-nos a lembrar das "Vidas Privadas" de Todd Field, 2001).
O problema é que a premissa central do livro e do filme exige condições ideais de temperatura e pressão para o tom ser modulado na perfeição: uma adolescente assassinada observa, de um "limbo" entre o céu e a terra, o modo como a família lida com a sua perda enquanto procura descobrir o responsável. E Jackson nunca consegue manter essas condições durante muito tempo. Sempre que o filme se concentra no modo como a família sobrevive à morte de Susie, "Visto do Céu" é excelente. Os momentos mais convencionalmente "policiais" ou "dramáticos" podiam fazer parte de um filme clássico - a "invasão doméstica" de Rose McIver é um momento digno de Hitchcock, as cenas com Susan Sarandon no papel da avó desvairada são um mimo de comédia familiar de bom coração.
Mas, quando Jackson passa para o além, para o limbo de Susie, o espiritualismo agnóstico de factura "new-age" simbolista que propõe (que não anda longe das visões celestiais do conterrâneo Vincent Ward em "Para Além do Horizonte", 1998) trai a sensação de uma criança que descobriu um brinquedo novo e brinca com ele até à exaustão, de um segundo filme que "penetra" no primeiro sem ter sido convidado. Nesse processo, o neo-zelandês desbarata não apenas o excelente elenco que reuniu (e que, na sua maioria, acaba por não ter personagens para defender nem arcos narrativos para contar) como deixa fugir a ideia-chave do filme.
"Visto do Céu" deixa de ser sobre uma família que enfrenta a morte de uma filha, e passa a falar de um possível além - como se Jackson tivesse perdido de vista a história que começou por querer contar ou fosse incapaz de escolher entre um dos dois filmes que cresceram da mesma história. Até Susie (uma criação notável da jovem irlandesa Saoirse Ronan, que aguenta o filme aos ombros sem esforço) acaba por escolher um caminho; Jackson não consegue. Isso não faz de "Visto do Céu" o mau filme que tantos apregoam, apenas um bom filme perdido no meio de um falhanço intrigante. Jackson correu um risco e perdeu-o, mas pelo menos perdeu-o honrosamente.