Mulher, 67 anos, sozinha, com cancro. Uma portuguesa pediu ajuda e foi morrer à Suíça

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Sede da Dignitas, em Zurique: a associação tem seis mil membros Christian Hartmann/REUTERS

É o primeiro caso de suicídio assistido envolvendo cidadãos nacionais e promete reabrir o debate da eutanásia em Portugal. O médico que a seguia tinha-lhe dado menos de um ano de vida

Pela primeira vez um português morreu com a ajuda da associação suíça Dignitas, organização que promove o suicídio assistido. Era uma mulher de 67 anos, divorciada e sem filhos, que sofria de um cancro em fase terminal, não conseguia suportar as dores e temia ficar incapacitada a ponto de não conseguir deslocar-se à Suíça para pôr fim à vida. Acompanhada de dois amigos, tomou uma substância letal em Junho de 2009.

"Estou a sofrer desde 2007 devido a um cancro que começou no estômago e que agora se confirmou que não tem cura. [...] Estou a tomar drogas que quase não têm efeito e está a tornar-se insuportável viver com a dor", descreve no depoimento em que justifica o pedido de auxílio para o suicídio assistido.

O médico que a seguia em Portugal tinha-lhe dado menos de um ano de vida. Mas ela não acreditava. Convencida de que o fim estava "muito mais próximo", pedia a ajuda da Dignitas, "com urgência". "Temo perder a capacidade de viver sem a ajuda de alguém e especialmente de conseguir ir à Suíça ", explicava. O processo foi rápido. Inscrita na associação em Abril de 2009, morreu em Junho, após duas consultas. A associação suíça dá escassos detalhes sobre o caso. Adianta apenas que era uma mulher com cancro, sem família, e que foi acompanhada nos últimos momentos por dois amigos. Há pelo menos mais sete portugueses inscritos na Dignitas.

Fundada em 1998 pelo advogado Ludwig Minelli em Zurique, a Dignitas já ajudou a morrer 1041 pessoas de 29 países e tem cerca de seis mil membros. São cidadãos alemães e ingleses os que mais recorrem à associação, que tem sido alvo de contestação mesmo na Suíça, onde o suicídio assistido é permitido, apesar de a eutanásia ser proibida. No primeiro caso, é o próprio que toma a droga mortal receitada por um médico, enquanto a eutanásia implica que seja outra pessoa a administrar a substância fatal. Na Dignitas, quando a pessoa decide avançar com a decisão de morrer - todo o processo custa cerca de seis mil euros -, toma primeiro uma substância para não vomitar e depois bebe pentobarbital de sódio. Fica inconsciente e morre, sem dor.

Em Portugal, a morte assistida é proibida e não é sequer ainda possível fazer um testamento vital (declaração antecipada de vontade sobre os tratamentos a recusar, caso a pessoa já não esteja em condições de expressar a sua vontade). Aliás, a morte assistida continua a ser proibida na maior parte dos países, mas em vários, como no Reino Unido, o debate está aberto, lembra Laura Ferreira dos Santos, docente na Universidade do Minho que escreveu um livro sobre o tema (Ajudas-me a Morrer).

"Escamotear este problema não é a solução", defende. E acrescenta: "Se o suicídio assistido ou a eutanásia fossem permitidos em Portugal, esta mulher poderia ter vivido mais tempo." Porque não necessitaria de acelerar o processo por temer ficar incapaz de ir à Suíça.

O presidente da Associação Portuguesa de Bioética, o médico Rui Nunes, que em 2007 avançou com a proposta do testamento vital, não concorda. Sem querer criticar este caso em concreto, defende que seria necessário esclarecer primeiro uma série de circunstâncias para poder ajuizar da legitimidade do pedido. Era preciso saber se a mulher estava "em condições de tomar a decisão em consciência". "Se calhar estava deprimida, foi um grito de desespero", especula. E seria fulcral apurar também se tinha acesso a cuidados paliativos adequados. "A generalidade das pessoas [tratadas] em cuidados paliativos não pede a eutanásia."

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