No 20.º aniversário do PÚBLICO

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miguel manso

Já vivi o suficiente para perceber que o poder, em geral, aceita com dificuldade a crítica, a denúncia e a irreverência

A passagem do 20.º aniversário do PÚBLICO está longe de ser, para mim, um facto corrente e banal.

Há 20 anos, encontrava-me desiludido com o meu jornal de sempre, O Primeiro de Janeiro, que acabou por ser destruído pelas ligações partidárias, por maus jornalistas e pela perda de rentabilidade. Parecia-me, então, que seria possível fazer um jornal diário com qualidade superior à média, e que os leitores portugueses se tornariam progressivamente mais exigentes.

Ao contrário do que é costume, na minha vida, não fui eu, contudo, a dar o primeiro passo. Acácio Gomes, jornalista que então se dedicava aos temas económicos, pediu-me para receber um grupo mais alargado - composto por Vicente Jorge Silva, Jorge Wemans, Henrique Cayatte, José Manuel Fernandes, Nuno Pacheco, José Vítor Malheiros, Augusto M. Seabra, José Queirós e Joaquim Fidalgo -, que acalentava o projecto de fundar um novo diário, tomando como padrão as boas qualidades do Expresso. Ouvi os promotores com todo o interesse e entusiasmei-me facilmente com os planos de rigor, de independência, de irreverência, de modernidade editorial e gráfica. Fiquei convencido de que percebiam as condições do sucesso: os melhores jornalistas, um Livro de Estilo respeitado como uma "bíblia" e resultados económicos entendidos como garantia de sustentabilidade.

As primeiras reacções dos leitores foram animadoras, e isso afigurava-se como natural e justo: o jornal era muito marcado pela inovação, criatividade e inspiração de Vicente Jorge Silva, pela solidez nas áreas económicas de Jorge Wemans, pela contemporaneidade do design de Cayatte e pela robustez intelectual e profissional de José Manuel Fernandes.

Nem tudo foi fácil, contudo, e eu reconheço que a combinação equilibrada entre jornalistas de grande valor, independência editorial, tecnologia avançada e gestão empresarial apurada constitui uma espécie de "quadratura do círculo", aqui ou em qualquer parte do mundo.

No início, os accionistas (Sonae, BPI, Prisa e La Republica) até nem eram particularmente exigentes do ponto de vista do retorno do capital investido, e admitiam - como eu sempre admiti - que o dividendo preferencial se encontraria no plano da cidadania ou do contributo cívico. Mas foram-se cansando dessa espécie de mecenato prolongado, e a Sonae acabou por ficar sozinha.

Estou hoje convencido de que, se tivéssemos ainda parceiros - aqueles ou outros, com idênticos princípios -, conseguiríamos mais eficazmente esconjurar alguns mitos que o poder político foi criando, qualquer que fosse a sua cor ou o tamanho da sua circunscrição. Na verdade, por má-fé, ignorância ou por vontade deliberada de conspirar, muitos políticos já chegaram a sugerir que a Sonae utiliza o PÚBLICO como um instrumento ao serviço dos seus interesses políticos ou empresariais.

Já vivi o suficiente para perceber que o poder, em ge- ral, aceita com dificuldade a crítica, a denúncia e a irreverência. Felizmente, as pessoas com critério sabem que a Sonae não acalenta interesses políticos, e que, para os seus objectivos empresariais, apenas reclama da política e da administração pública o respeito pela lei, pela equidade, pela concorrência e pela liberdade eco- nómica. Hoje, aliás, quando se discute em Portugal o condicionamento dos meios de comunicação social e o valor da independência, eu ofereço à opinião pública o mérito das histórias da Sonae e do PÚBLICO: histórias de sucesso, é certo, mas recheadas de muitos episódios de retaliação e de boicote políticos.

Não quero nesta data, contudo, acentuar as dificuldades do projecto, porque sinto francamente que há motivos de sobra para celebrar. Apesar de todas as transformações tecnológicas, sociais e culturais que afectam a comunicação social, em Portugal e no mundo, o PÚBLICO continua a ser um enorme motivo de orgulho para a Sonae, como produto e co- mo marca. As suas características fundacionais - o rigor, a qualidade e a independência - continuam cada vez mais vivas, e o entusiasmo dos que nele trabalham não é seguramente menor que o dos fundadores. De resto, o José Manuel Fernandes representa bem esse espírito: foi fundador, foi director e é hoje colunista - o lugar que ele próprio escolheu -, oferecendo sempre ao PÚBLICO a sua dedicação e as suas capacidades inesgotáveis.

E eu posso facilmente satisfazer todos os que procuram a receita ideal para uma saudável relação entre o accionista e a edição: os poderes vão e vêm; basta ignorar os pedidos, os protestos, as pressões, as retaliações e as ameaças, e continuar a exigir aos gestores e aos jornalistas que façam do rigor profissional e da sustentabilidade económica do jornal a garantia mais segura da sua independência e da sua longevidade. Chairman da Sonae

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